Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território
Título do artigo: Carris metropolitana e a revolução prometida
Autora: Catarina Sales Oliveira
Filiação institucional: UBI e CIES_Iscte
E-mail: catarina.sales.oliveira@ubi.pt
Palavras-chave: Mobilidade, Transportes, Área Metropolitana de Lisboa.
A temática dos modos de transporte e da mobilidade é pouco usual na sociologia portuguesa. Defendemos, porém, que é relevadora de padrões comportamentais e culturais, centrais para a análise sociológica. Neste artigo analisamos a recente criação do sistema de mobilidade TML (Transportes Metropolitanos de Lisboa), fenómeno que temos vindo a acompanhar no âmbito do estudo das mobilidades portuguesas [1] e que representa uma aposta forte das políticas públicas de transporte para promover a mobilidade sustentável.
Portugal caracteriza-se por um inicio tardio do uso do transporte motorizado como modo predominante de deslocação – a inversão modal de transporte coletivo para transporte privado ocorre apenas no final do século XX – mas que muito rapidamente se tornou marcante na cultura de mobilidade nacional [2]. Representando no último recenseamento da população [3] a opção modal diária de 65,9% da população portuguesa, a auto-mobilidade domina em todo o território nacional, embora de forma diferenciada.
Simultaneamente, a taxa de motorização (número de veículos ligeiros de passageiros por 1 000 habitantes) em Portugal aumenta consecutivamente desde 2013 [4] e o “parque de veículos rodoviários motorizados presumivelmente em circulação está a aumentar desde 2001” não obstante o objetivo assumido nas políticas públicas de transportes para a “transição do transporte individual de passageiros para o transporte coletivo” (s/p) [4].
A AML e a revolução dos transportes públicos metropolitanos
A AML (área metropolitana de Lisboa), habitada por 2.871.133 pessoas [3] é um alvo primordial de preocupação e intervenção ao nível dos transportes, não apenas por conter a capital, mas também por ser, de longa data, um locus emblemático do congestionamento de tráfego em contexto nacional. Simultaneamente os últimos anos têm assistido a esforços assinaláveis para tornar o município de Lisboa mais propício à mobilidade suave. O Programa PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos permitiu à TML (Transportes Metropolitanos de Lisboa) criar o passe Navegante em abril de 2019, que prometia “uma revolução sem paralelo na mobilidade da região metropolitana de Lisboa” [5]. Com uma campanha enfática (fig. 1) focada essencialmente no fator custo, o Navegante apresentou-se com preços revolucionários face aos praticados anteriormente e apostando na acessibilidade intra e intermunicipal, bem como num direcionamento para determinados públicos – idosos, crianças e jovens, famílias numerosas. Foi o culminar de um projeto antigo de agregar os diversos modos de transporte público de Lisboa, algo que já vinha de trás com o Lisboa Viva (2013) e com a criação da entidade supramunicipal de transportes [1], mas que até então não tinha sido conseguido com eficácia.
Figura 1. Campanha de lançamento do Navegante (Fonte. navegante.pt)
.
A Carris Metropolitana
Simultaneamente nascia a Carris Metropolitana. Esta marca/empresa é o chapéu agregador das empresas de autocarros que exploravam até aqui os transportes dos 18 municípios da Área Metropolitana de Lisboa. A Carris Metropolitana passou a gerir todo o tarifário, sinalização, informação e tem uma bilhética única, permitindo uma maior integração e conciliação de horários de todos os autocarros, em toda a AML [6]. A zona 4 – Alcochete, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal – foi a pioneira em junho de 2022 e presentemente já opera em todos os municípios.
Como está a funcionar. Breve panorâmica “do que se diz”
Este artigo apresenta uma investigação que tem acompanhado a implementação da Carris Metropolitana. A análise da evolução da procura é neste momento pouco fidedigna, visto que os dados disponíveis (2020 e 2021) são de anos marcados pela pandemia Covid 19. Por essa razão, optamos nesta fase pela análise da vertente percepção e opinião pública. Os dados que aqui partilhamos resultam de noticias recolhidas nas edições virtuais de jornais portugueses – a saber Público, Observador e Expresso – entre maio de 2022 e junho de 2023.
Analisámos um corpus noticioso de 37 peças jornalísticas. O critério para a sua recolha foi o tema e a data – peças jornalísticas escritas desde maio de 2022 com a temática principal da Carris Metropolitana. Lográmos identificar 3 eixos de assuntos que nos permitiram arrumar o material em 3 categorias – descritivo, informativo e apreciativo. No primeiro eixo com 9 noticias, o foco é apresentar o serviço à medida que o mesmo vai surgindo nos diferentes municípios da AML; o eixo informativo (15) apresenta informações úteis pontuais como cortes, avarias, situações excepcionais. O último eixo, com 13 peças, contém já apreciações críticas do sistema, dando voz aos utentes mas também a decisores e especialistas.
Contrapondo uma visão entusiasta dos decisores políticos, a voz dos utentes é bastante crítica, como fica patente nalguns títulos e conteúdos, por exemplo esta noticia do arranque do sistema: “Os lamentos vêm da margem sul do Tejo, onde funcionam as áreas 3 e 4. Os cidadãos dizem que o mau funcionamento dos transportes públicos tem chegado “a limitar o acesso a direitos tão elementares como a saúde e a educação” [7]. Um ano depois refere-se que “O que “sempre foi mau” está agora “muito pior”, dizem alguns dos utentes do Metro e da Carris sobre o actual estado dos transportes em Lisboa nas chamadas horas de ponta.” [8]. Três noticias dão conta de episódios de apedrejamento de quatro autocarros ocorridos entre outubro e novembro de 2022.
Ideias e pistas para o futuro
Esta é uma investigação em curso e exploratória, pelo que seria prematuro aventar considerações sobre estes dados. Contudo, permitimo-nos partilhar as questões que nos acompanham nesta fase do trabalho: um ano após o lançamento em Setúbal as queixas são similares. Estamos perante dores de crescimento de um sistema que normalizará a sua dinâmica? Ou será que o modelo de gestão encontrado não é o mais adequado? À vista desarmada, Lisboa (e a AML) ainda está cheia de carros. A taxação crescente do estacionamento como estratégia de contenção está a ser levada a cabo em Setúbal, com grande descontentamento da população.
Apesar dos problemas, a AML tem neste momento um sistema integrado de transportes a um preço realmente acessível. Para quando a aplicação do PART a outras regiões do país?
Notas:
[1] Sales Oliveira, C. (2011). Mobilidades e classes médias em contexto metropolitano-estudo dos modos de vida nas áreas metropolitanas portuguesas (Tese doutoramento). ISCTE-IUL
[2] Sales Oliveira, C. (2015) (Auto)mobilities and social identities in Portugal. Sociologia, Problemas e Práticas, (77), 137-151. https://doi.org/10.7458/SPP2015776222
[3] Instituto Nacional de Estatística (2022) Censos 2021 Resultados Definitivos – Portugal. INE
[4] Eurostat (2022). Parque Rodoviário. Disponível em https://rea.apambiente.pt/content/parque-rodovi%C3%A1rio.
[5] Decreto-Lei nº 1-A/2020, de 3 de janeiro. Diário da República nº 2/2020, 1º Suplemento, Série 1
[6] TMLMobilidade (2023). Carris Metropolitana. Disponível em https://www.carrismetropolitana.pt/noticias/a-carris-metropolitana
[7] Alvarez, L. (1 set 2022). “Os utentes estão “fartos” e críticas à Carris Metropolitana sobem de tom”. Público, edição online. Disponível em https://www.publico.pt/2022/09/01/local/noticia/utentes-estao-fartos-criticas-carris-metropolitana-sobem-tom-2018841
[8] Alvarez, L. & Abranches, M. (12 maio 2022). “Transportes a abarrotar em Lisboa: “Há cada vez mais pessoas e os autocarros são os mesmos”. Público, edição online. Disponível em https://www.publico.pt/2023/05/12/local/reportagem/filas-transportes-abarrotar-ha-pessoas-autocarros-sao-2049477
.
.