É urgente a cidade. O sociólogo namoradeiro e o sociólogo socorrista

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: É urgente a cidade. O sociólogo namoradeiro e o sociólogo socorrista

Autor: Paulo Castro Seixas

Filiação institucional: ISCSP – Universidade de Lisboa – CAPP – ULisboa / CITTA-FEUP

E-mail: pseixas@iscsp.ulisboa.pt

Palavras-chave: cidade, mudança, sociólogos.

É urgente a cidade. Não é mais possível tantos carros. Não é mais possível tantas horas perdidas: o pequeno almoço e o jantar em viagem. Não é mais possível o dia de trabalho esticado em 12, 13 ou mais horas. Não é mais possível à família sobrar apenas o cansaço. Não é mais possível uma vida de ‘barata tonta’: pais e mães como transportadores contínuos. Não é mais possível tudo separado: o trabalho, a escola, o supermercado, o ginásio… Não é mais possível as escolas serem lugares de amontoamento de carros na entrada e saída das crianças. Tanta qualidade de vida em falta! Tanto espaço parqueado! Tanto tempo desperdiçado! Tanta ansiedade!

Quantas cidades tem a nossa cidade? [1] A cidade das vizinhanças; a cidades das ruas e das praças; a cidade dos jardins e dos parques… E, por outro lado, a cidade educativa; a cidade criativa e da cultura; a cidade da diversidade. É preciso mapeá-las, articulá-las e criar uma estratégia para torná-las funcionais, inteligentes…e belas.

Transformar as cidades e os territórios implica trabalhar com as pessoas. Implica sociólogos e antropólogos. E não apenas levantamentos, inquéritos, entrevistas e relatórios entregues como descargo de consciência política, social ou outra. Não! Implica mudanças nos modos de vida e novos planeamentos culturais.

É muitas vezes difícil aos sociólogos e antropólogos urbanos explicarem o que há a fazer aos técnicos e políticos das Câmaras. E é muitas vezes difícil aos políticos e técnicos responsáveis pelas cidades e territórios identificar um papel claro para o sociólogo e o antropólogo na mudança. Mesmo quando os consideram fundamentais! Uma das razões é que a mudança necessária implica de facto uma equipa multidisciplinar e é nesse encontro feito de descobertas, propostas e ajustes que se pode encontrar/descobrir os gatilhos da mudança. Tal implica tempo, gente dedicada e disponível e vontades e, outra vez, tempo. Claro que podemos mudar a cidade sem os sociólogos e antropólogos… mas não é a mesma coisa! A resistência da parte das populações, os enormes custos sociais e… políticos. Os políticos sabem-no bem e, por isso, se adia tanto a mudança que já se fez ou se faz noutras cidades: em Copenhaga, em Paris, em Berlim… ou aqui mais perto em Pontevedra.

Propomos aqui dois papéis para os sociólogos e antropólogos para ativar cidades e a sua mudança: o namoradeiro e o socorrista [2]. Esta é apenas uma forma simples de iniciar uma conversa acerca da mudança entre políticos e técnicos e sociólogos e antropólogos.

É necessário namorar a mudança. É um namoro entre os políticos e os técnicos, por um lado, e a população por outro. Os sociólogos e antropólogos devem ser os ativadores e os tradutores entre uns e outros. A Cidade do Futuro enquanto cidade desejada é sempre um bom tema; as imagens de mudanças noutras cidades podem dar o mote; as crianças são sempre uma boa oportunidade criativa; as metodologias das artes (desenho, escultura humana, teatro…) podem ser boas estratégias; a tradução em desenho técnico por parte de jovens arquitetos e urbanistas dos elementos mais comuns pode possibilitar descobertas; o urbanismo tático pode sempre propiciar bons espaços de representação… O namorar da mudança pode ser feito em forma de acupunctura: um evento num determinado dia da semana; uma rua fechada ao fim de semana; um jardim que se faz e desfaz todos os dias em determinadas horas; um muro que se torna jornal da mudança que se deseja; um grupo de professores que passa a ir de bicicleta para a escola…

É claro que à medida que a mudança se inicia há custos, há perdas e ganhos, alegrias e frustrações. E aí é preciso contar com os sociólogos e antropólogos, outra vez. Agora como ‘olheiros’, atentos às questões das populações, em conversas em cada vizinhança, atentos a cada mudança, às suas reações… E é aqui que entra o sociólogo e antropólogo socorrista. Identificando as agruras de mudança em tempo real, pode, em tempo útil, promover mediações. Por vezes é o futuro que ainda não se vê, na transição das obras e nas dobras do tempo e em tudo o mais que a mudança implica. Por vezes é o modo de vida que implica adaptação e que não é fácil, de família para família, de vizinhança para vizinhança. Pode haver funções urbanas em falta ou mal distribuídas, enfim o direito ao lugar e à cidade. É nesse trabalho rendilhado de ‘olheiro’ e de apontador de ajustes contínuos que os sociólogos e antropólogos podem bem ser tratados como socorristas em cada uma das cidades que a cidade inclui, solicitando colaboração e soluções à população, propondo ajustes e ajudando a equipa na colocação de pensos rápidos e de agrafos que possam religar o que a mudança desconectou.

É urgente a cidade. É urgente que se criem equipas para ativar a mudança. Aos sociólogos e antropólogos cabe desenhar estratégias colaborativas: de namoro da mudança urbana; de socorrismo de ajustes urbanos. Porque é urgente a cidade!

Notas:

[1] Seixas, P.C (Coord.) (2019), Ativar Cidades. Modelos de Políticas de Cidades, Lisboa: Caleidoscópio

[2] Estes dois tipos ideais do trabalho sociológico e antropológico na mudança urbana resultou de uma conversa com o Arquiteto Vitor Silva do Gabinete da Vice-Presidência da Câmara de Cascais exatamente no esforço de enquadrar o trabalho da equipa de sociólogos/antropólogos na mudança urbana no Concelho.

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