Risco(s) e ambiente: concetualizações nacionais e internacionais

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Risco(s) e ambiente: concetualizações nacionais e internacionais

Autor: Leonardo Camargo Ferreira

Filiação institucional: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

E-mail: leonardo-camargo-ferreira@hotmail.com

Palavras-chave: risco(s), risco ambiental, globalização.

A concetualização do termo risco terá atingido o seu auge intelectual com Ulrich Beck (2011) [1] e a sua obra Sociedade de risco: Rumo a uma outra modernidade. O autor defende a tese de que se as riquezas são distribuídas socialmente os riscos também o serão, pretendendo os seres humanos a maior abundância possível das primeiras e a menor posse das segundas. No entanto, se por um lado riquezas e riscos são detidos e reproduzidos de forma desigualitária entre os sujeitos, não menos verdade é que os segundos, portanto, os perigos e as ameaças, atingem qualquer pessoa e canto do mundo. A isto, Beck (p.27) [1] apelidaria de efeito bumerangue.

O foco deste texto é a reflexão sobre a noção de risco em interligação com as realidades ambientais, altamente dinâmicas e influenciadas por uma “globalização cada vez mais intensa” (p.36) [2], e a apresentação de algumas propostas nacionais e internacionais de discussão deste conceito no âmbito das alterações climáticas. Em Portugal, Arriscado Nunes é um dos sociólogos que se tem debruçado sobre a ligação entre as questões económicas, do ambiente, do risco e da catástrofe. Defendendo que o próprio desastre é “um objeto (…) permeado por debate de lógicas que se refletem no espaço social e que, por isso, nunca pode se constituir em uma questão, de fato, exógena ao sujeito” (p.80) [3], afirma que, por isso mesmo, riscos estão sempre associados a vulnerabilidades (sociais, populacionais, institucionais…) [4], as quais denunciam exposições a perigos e deficiências na qualidade de saúde pública a que determinadas populações estão sujeitas e a que, muitas vezes, as instituições políticas e as empresas não conseguem dar resposta. Por exemplo, num estudo realizado na cidade de Estarreja (que incluía também um contexto rural no Brasil), Nunes, Fernandes e Porto (2016) [4] concluíram que, nestas localidades, as comunidades têm um vínculo histórico e identitário aos lugares que se revela mais forte do que as exposições às enfermidades de poluição e contaminação, o que, aliado às suas dificuldades económicas, origina um potencial de exploração financeira pelas indústrias locais. Tal atitude destas empresas acaba por exponenciar as vulnerabilidades supracitadas.

Boaventura de Sousa Santos também se tem preocupado com o entendimento dos problemas ecológicos e dos seus potenciais de ameaça. Através do seu pensamento, podemos, de certo modo, associar o aumento dos riscos, das catástrofes e das desigualdades – traduzidos em fenómenos como o aquecimento global, a contaminação das águas e dos solos, a perda da biodiversidade, as pandemias, o gap entre o investimento em recursos naturais e o investimento em recursos humanos, entre outros – a uma conceção de direitos humanos que, tendo sido um marco no desenvolvimento social dos países, corresponde, ainda assim, a uma visão redutora do mundo, tida como convencional ou hegemónica [5]. Torna-se, portanto, imprescindível tratar os direitos humanos como “parte de uma ecologia de dignidades pós-abissais” (p.43) [5], onde não exista um Norte e um Sul a quem se confere dissemelhantes dignidades e se atribui distintas regalias sociais e riscos.

São igualmente vários e valiosos os trabalhos produzidos na literatura brasileira acerca dos riscos (ambientais). Por exemplo, Bursztyn e Eiró (2015) [6] aplicam a teoria da sociedade de risco de Beck no panorama brasileiro, com o intuito de perceber a distribuição social da perceção de risco que se associa às alterações climáticas, identificando que esta perceção é sobretudo influenciada pelo rendimento familiar e pela escolaridade dos sujeitos. Manoel (2016) [7] discute a enchente do Rio Madeira e como o paradoxo do risco – rápidas inovações técnicas vs falta de acompanhamento do conhecimento científico na sua compreensão – pode ser enfrentado a partir do que nomeia de psicologia das emergências, a qual deve ser atenta ao estado de fragilidade das vítimas de catástrofes e fornecer um apoio que outras/os especialistas não conseguem, por razões de diversa ordem, prestar. E Silveira (2018) [8] propõe encarar a imprevisibilidade dos riscos ambientais a partir de uma perspetiva que concebe o ambiente como um direito humano de fraternidade, tal como proclamada na Revolução Francesa.

Estas são algumas das perspetivas que possibilitam a interpretação do risco como um conceito plural – o mais correto é falarmos de riscos –, multidimensional – com impactos no território, na economia, na educação, na saúde, etc. – e, sobretudo, com uma dimensão ambiental que seria profundamente negligente ignorar ou menosprezar. Deixo, assim, e aqui, algumas pistas para uma discussão mais fundamentada acerca do que se entende por risco, nomeadamente em sociedades cada vez mais globalizadas como são as do século XXI e com múltiplos e visíveis desafios que tocam a cada comunidade e a cada indivíduo. No caso português em específico, riscos relacionados com a erosão marinha, as inundações [9], a desertificação, os incêndios predominantemente estivais e, mesmo, a litoralização e o progressivo envelhecimento no meio rural [10] são preocupações acrescidas a que todas/os – sociedade civil, especialistas de diversas áreas e políticos – necessitam de estar atentas/os.

Notas:

[1] Beck, Ulrich (2011). Sociedade de risco: Rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34.

[2] Giddens, A. (2003). Mundo em descontrole. Rio de Janeiro: Editora Record.

[3] Nunes, J.A., Portella, S.L.D., Oliveira, S.S., & Valencio, N. (2016). Da “ponte sobre águas turbulentas” à reinvenção do “homem lento”: reflexões sobre assimetrias de saber e desastres. Ciência Trópico, 40(1), 77-98. https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/36235.

[4] Nunes, J.A., Fernandes, L.O., & Porto, M.F.S. (2016). Contaminação química: Respostas das instituições responsáveis e ações das populações atingidas no Brasil e em Portugal. Saúde e Sociedade, 25(1), 218-232. doi: 10.1590/S0104-12902016145753.

[5] Santos, B.S. (2019). Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. In Santos, Boaventura de Sousa, & Sena, Bruno (orgs.), O pluriverso dos direitos humanos. A diversidade das lutas pela dignidade (pp. 41-66). Coimbra: Edições 70.

[6] Bursztyn, M. & Eiró, F. (2015). Mudanças climáticas e distribuição social da percepção de risco no Brasil. Revista Sociedade e Estado, 30(2), 471-493. doi: 10.1590/S0102-699220150002000010.

[7] Manoel, M.J.S. (2016). Sociedade de Risco e Desamparo: Enchente do Rio Madeira. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, 8(2), 308-330. doi: 10.15175/1984-2503-20168206.

[8] Silveira, M. (2018). O meio ambiente como direito humano de terceira dimensão e a ética da responsabilidade na metateoria do direito fraterno. Revista de Direito e Sustentabilidade, 4(1), 130-143. doi: 10.26668/IndexLawJournals/2525-9687/2018.v4i1.4444.

[9] Zêzere, J.L., Pereira, A.R., & Morgado, P. (2016). Perigos naturais e tecnológicos no território de Portugal Continental. Lisboa: Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa.

[10] Ferreira, L. (2021). Tantas injustiças implicam tantos combates. Público. Retirado de https://www.publico.pt/2021/08/23/p3/cronica/tantas-injusticas-implicam-tantos-combates-1974971.

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