Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de Vida
Título do artigo: Medicinas Complementares e Alternativas: notas sociológicas sobre diversidade
Autora: Elsa Pegado
Filiação institucional: ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, CIES-ISCTE, Portugal
E-mail: elsa.pegado@iscte-iul.pt
Palavras-chave: Medicinas Complementares e Alternativas, Saúde, Medicina.
O termo Medicinas Complementares e Alternativas (MCA) – não sendo o único e sendo objeto de lutas simbólicas que não cabe aqui discutir [1] – tem sido frequentemente usado para designar um conjunto de medicinas, terapias ou práticas terapêuticas que têm em comum o facto de, nas sociedades ocidentais contemporâneas, se situarem à margem da chamada Medicina Convencional. Vários fatores testemunham a visibilidade crescente das MCA em Portugal, designadamente o crescimento de um sistema de produção e comercialização dos produtos vulgarmente designados por naturais e do respetivo consumo; as reivindicações dos terapeutas pelo reconhecimento legal destas medicinas e da sua profissão, a que se associa a constituição de associações profissionais e de cursos de nível superior; a regulamentação do exercício profissional; e, ainda, a crescente atenção que a comunicação social tem prestado a estas medicinas.
Esta visibilidade tem alimentado um debate público, mais ou menos alargado, sobre a legitimidade, não só das práticas terapêuticas inscritas nestas terapias ou medicinas, mas também das orientações filosóficas e saberes em que estas se baseiam. A pandemia Covid 19, veio, aliás, relançar, de forma mais acesa, esse debate, em torno de questões como a eficácia terapêutica ou a vacinação.
A partir da pesquisa sociológica que tenho desenvolvido sobre as MCA [2], e dispensando-me de qualquer posicionamento quanto a esse debate, apresento uma reflexão que apela a um olhar problematizador sobre as mesmas, focado na sua diversidade, a vários níveis: 1) das orientações e práticas terapêuticas; 2) da regulação e profissionalização; 3) dos modos de envolvimento dos utilizadores.
Diversidade nas orientações e práticas terapêuticas
Segundo a Organização Mundial de Saúde “O termo ‘medicina complementar’ ou ‘medicina alternativa’ refere-se a um vasto conjunto de práticas de cuidados de saúde que não fazem parte da tradição de um país ou da medicina convencional, e que não se encontram completamente integradas no sistema de cuidados de saúde dominante. Estas práticas são usadas indistintamente com a medicina tradicional em alguns países” [3].
As MCA correspondem, pois, a uma meta-categoria que, embora útil, não deve fazer elidir a existência de práticas de cuidados de saúde que são muito diversas e muitas vezes paradigmaticamente diferentes, quer nas suas formas de perspetivar a saúde, a doença e a relação terapêutica, quer nos recursos e ferramentas terapêuticas que mobilizam. Pense-se no que terão em comum, por exemplo, a Medicina Tradicional Chinesa, de tradição milenar, e a homeopatia, desenvolvida na Alemanha, em finais do século XVIII.
Esta diversidade estende-se à relação com a medicina convencional, para a qual é adequado convocar os termos “alternativas” e “complementares”. Enquanto ao primeiro subjaz a ideia de que estas medicinas poderiam constituir uma alternativa, numa lógica de substituição, aos tratamentos da medicina convencional, o segundo encerra uma intenção de complementaridade entre os dois sistemas terapêuticos. Várias pesquisas têm questionado a tese da incomensurabilidade entre eles e demonstrado que, entre os terapeutas não-médicos, é possível encontrar diferentes posicionamentos quanto a possibilidades de articulação.
Diversidade na regulação e profissionalização
A diversidade que caracteriza as MCA não se limita ao que podemos considerar como os seus atributos intrínsecos, é também uma diversidade em termos de dimensão organizacional, de movimento associativo e de avaliação pelos governos. Tais características têm implicações nas possibilidades de legitimação social e reconhecimento institucional.
Em Portugal, a regulamentação da prática das MCA por parte de terapeutas não-médicos é recente e abrange a medicina tradicional chinesa, a acupunctura, a homeopatia, a naturopatia, a fitoterapia, a osteopatia e a quiropraxia, todas qualificadas como terapêuticas não convencionais. Para estas sete terapias, encontram-se legalmente definidos os conteúdos funcionais das respetivas profissões, bem como, à exceção da homeopatia, os requisitos gerais que devem ser satisfeitos pelos ciclos de estudos conducentes ao grau de licenciado [4]. Ao contemplar estas terapias, foram relegadas, por exclusão, um vasto conjunto de outras terapias para um estatuto de marginalidade mais forte do que gozavam previamente a esta regulamentação.
Diversidade nos modos de envolvimento dos utilizadores
É preciso contrariar a ideia, por vezes difundida, de que o recurso às MCA é circunscrito a um nicho de pessoas com características peculiares, orientadas para o que se poderia designar “estilos de vida alternativos”. Um dos principais resultados da pesquisa que tenho desenvolvido é a constatação da diversidade de perfis sociais dos utilizadores de MCA. Tal não obsta a que se verifiquem regularidades, traduzidas numa ligeira prevalência das mulheres, das pessoas mais velhas, das mais escolarizadas e das que residem em contexto urbano, em consonância com o verificado em pesquisas realizadas em outros países da Europa e nos EUA e Canadá.
É igualmente importante colocar em questão as teses que associam o recurso às MCA a um concomitante abandono da medicina convencional, com as consequências adversas que tal poderia acarretar. À semelhança do que vários estudos já concluíam, também na pesquisa desenvolvida em Portugal foi possível constatar a diversidade de modos de envolvimento com as MCA por parte das pessoas que a elas recorrem. Esta diversidade estende-se aos padrões de recurso, aferidos a partir do tipo de terapias eleitas, às finalidades, razões e questões de saúde que motivam o recurso, às temporalidades, à avaliação dos resultados e à relação com a medicina convencional. Desde os utilizadores que apenas têm experiências pontuais de recurso às MCA até àqueles que apresentam trajetórias terapêuticas de fidelização, em nenhum caso há uma completa ausência de recurso à medicina convencional. Em todos eles, as pessoas incorporam, de formas diferenciadas, elementos dos dois sistemas terapêuticos. O recurso às MCA não se traduz, pois, no decréscimo da procura da medicina convencional.
Notas
[1] Para uma discussão alargada sobre a utilização deste termo, ver Pegado, E. (2020), “Medicinas Complementares e Alternativas: uma reflexão sobre definições, designações e demarcações sociais”, Sociologia, Problemas e Práticas, nº 93, pp. 71-88. DOI: 10.7458/SPP20209314996.
[2] Pegado, E. (2017), O Recurso às Medicinas Complementares e Alternativas: padrões sociais e trajetórias terapêuticas, Lisboa, Iscte-IUL (tese de doutoramento).
[3] World Health Organization (WHO) (2013), WHO Traditional Medicine Strategy 2014-2023, Geneva.
[4] Lei nº 71/2013, de 2 de setembro; Portarias nº 207-A/2014 a 207-G/2014, de 8 de outubro; Portarias nº 172-B/2015 a 172-F/2015, de 5 de junho; Portaria nº 45/2018, de 9 de fevereiro.
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