Dimensão analítica: Saúde
Título do artigo: Do sentido cultural da saúde numa era marcadamente global
Autora: Helena Cristina Baguinho Bento
Filiação institucional: Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
E-mail: hbento@fade.up.pt
Palavras-chave: saúde, cultura, globalização.
A crescente globalização, presente em todos os aspetos da nossa vida, caraterizada pela crescente homogeneização de usos e costumes, implicando o contacto permanente da nossa e de outras culturas, não deve implicar uma uniculturalidade, porquanto os indivíduos face à sua e outras culturas encontram pontos de estranheza e familiaridade, devendo apontar para a multiculturalidade.
As diferenças culturais existem e são reconhecidas no contato das culturas umas com as outras, contudo a compreensão do outro impõe considerá-lo como como alguém cujo mendo se conforma de forma diversa do nosso, não nos obrigando à renuncia das nossas crenças e valores, mas intimam-nos a julgá-lo com uma certa abstração em relação às circunstâncias da nossa cultura para não percecionarmos apenas o que é diferente.
Embora as culturas se entrecruzem, fruto da não existência de civilizações com histórias completamente autónomas, o caminho a seguir não pode ser o da uniformidade.
Todavia existem bens transculturais reconhecidos ao longo da história, sendo aceite a imposição forçada de regras que visem a satisfação dessas necessidades numa sociedade (ex. Princípios elementares de sanidade e escolaridade obrigatória), porquanto existem valores e direitos que foram reconhecidos e contribuem para a ideia comum de humanidade, cuja não defesa nos afasta da ética.
A diversidade faz parte da vida humana e do mundo em que essa vida se desenrola, para Unamuno [1] “(…) cada um de nós é único e insubstituível, que não pode outro preencher o vazio por nós deixado (…)”.
A identidade pessoal existe enquanto identidade cultural, pois é na cultura qua a pessoa se objetiva. A cultura é um sistema de valores vivo e único, numa mesma cultura coexistem diferentes imagens dela própria, não é uma forma uniforma de de vida que se estabelece e permanece imutável – “(…) coexistem na mesma época e na mesma sociedade individualidades com a cultura indiferenciada e individualidades onde já se deu a diferenciação da cultura” [2].
Se cada pessoa é única e irrepetível, é um absoluto existencial, portadora de uma experiência e história potenciadora de construção da sua verdade, então a saúde depende da forma como cada um a perceciona, depende da cultura, uma vez que as crenças e representações que cada um tem de saúde determinarão a adoção de comportamentos e atitudes que a favorecerão ou prejudicarão, bem como até do que é ter saúde.
A saúde tem diversos significados para as diferentes pessoas, mesmo o próprio entendimento de saúde vai evoluindo ao longo da vida.
Para Jana [3] o corpo humano não é meramente biológico, mas biológico-cultural, inscrevendo-se as vivências culturais, até certo limite, no organismo humano.
Do ponto de vista médico a saúde mede-se na distância mais próxima ou mais afastada da morte (não funcionamento), contudo, apesar de ser categoria biológica, a saúde não se esgota, nem se define apenas biologicamente. A saúde está dependente da época, do lugar, dos valores sociais e individuais, sendo diretamente dimanante das conceções políticas, científicas, filosóficas e religiosas.
Da complexidade dos limites e fronteiras que balizam a saúde surge a ausência de um conceito que a explique inequivocamente, até porque, como anteriormente explanado, quem define a saúde é a pessoa.
As informações sociais e culturais tidas como acessórias no campo da saúde começam hoje a ser reconhecidas, num entendimento que a cultura e a sociedade em que o indivíduo se insere influenciam a adoção de comportamentos de prevenção ou de risco e até do próprio recurso a cuidados de saúde.
Embora as escolhas sejam pessoais, elas sofrem influência do contexto em que o indivíduo se insere, devendo ser criadas condições favoráveis à obtenção de saúde a nível político, económico, social, ambiental, biológico e cultural, no sentido de assegurar a igualdade de oportunidade no alcance da saúde.
Morral [4] aponta como condições sociais que influenciam de forma decisiva a saúde das pessoas a educação, o (tipo de) trabalho, a (adequada) alimentação, as condições de habitabilidade e o acesso a cuidados de saúde de qualidade.
Nahas, Barros e Assis [5] referem que:
“As doenças e agravos do mundo contemporâneo refletem as condições e os estilos de vida das populações. Vivemos em uma era de transição e contradições. Há as doenças da miséria, da subnutrição e da falta de saneamento; e há as doenças decorrentes do comportamento, do nosso jeito de viver. Ainda que para as doenças da miséria concorram muito mais fatores económicos e políticos, para ambos contribuem a educação e o acesso às oportunidades para escolhas na vida das pessoas.”
A diversidade de identidades de ordem histórica, cultural, económica, social e religiosa deve ser considerada na tentativa de encontrar respostas para os problemas de saúde (e outros) que se nos apresentem.
Como cada pessoa é única e irrepetível, autónoma e livre na tomada de decisão acerca de si própria, devem ser criadas condições que favoreçam a sua autonomia e liberdade, demanda-se informação e conhecimento, exige-se educação!
Notas
[1] Unamuno, M. (2007). Do sentimento trágico da vida. Lisboa: Relógio D`Água Editores (p. 197).
[2] Coimbra, L. (2004). Obras completas. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda (Tomo I, p. 87).
[3] Jana, J. (1985). Para uma teoria do corpo humano. Lisboa: Instituto Piaget.
[4] Morral, P. (2009). Sociology and health. An introduction. Oxon: Routledge.
[5] Nahas,M.; Barros, M. & Assis, M. (2010). A complexidade e a efetividade da promoção de estilos de vida saudáveis em ambiente escolar: o projeto “Saúde na Boa”. In J. Bento, G. Tani & A. Prista (org.), Desporto e Educação Física em Português. Porto: CIFI2D-Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto, Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (p. 231).
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