Edição: 3ª Série de 2023 (dezembro 2023)
Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública
Título do artigo: A evolução da produtividade do trabalho em Portugal no século XXI – 2000-12 (parte 1)
Autor: João Aguiar
Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
E-mail: jaguiar@letras.up.pt
Palavras-chave: produtividade, crescimento económico, comparatividade.
A evolução da economia portuguesa durante o século XXI tem sido atravessada por uma conjuntura complexa e perpassada por diversas encruzilhadas. Dentre as mais significativas estão a adesão à moeda única e sua efetivação subsequente, a crise das dívidas soberanas europeias e, mais recentemente, a pandemia de Covid-19 e o atual contexto inflacionista e de impacto da guerra de invasão da Ucrânia. Nesta primeira parte do artigo, o foco estará no período até ao início da crise das dívidas soberanas em Portugal. A segunda parte cobrirá o período subsequente, até à atualidade.
Como indicador relevante e substantivo para conduzir esta pesquisa, observar-se-á a evolução da produtividade do trabalho numa dupla perspetiva: temporal e comparativa. A dinâmica fulcral e paradigmática que preside ao crescimento económico mais avançado nas economias capitalistas permite os salários crescerem, mesmo que o seu ritmo de crescimento seja inferior ao do crescimento dos lucros e da mais-valia apropriada. Esta dinâmica acarreta um crescimento económico durável pois, para além do crescimento dos salários acompanhar o crescimento da produtividade, ocorre um aumento do poder de compra dos trabalhadores o que, por sua vez, acarreta uma melhoria da procura interna e da performance económica geral.
Com efeito, o problema na economia portuguesa das últimas décadas encontra-se na baixa intensidade capitalística e não nos salários nominais, pois mesmo tendo crescido acima da produtividade [1], a massa salarial portuguesa continuou a ser das mais baixas de toda a Europa. De acordo com os dados de um economista, a intensidade capitalística para o período em análise «situa-se, em Portugal, em cerca de 59% da média dos 27» [2] da União Europeia, o que dá conta da baixa capacidade de investimento na estrutura produtiva. Acima de tudo, um baixo investimento em bens de capital e em tecnologia avançada, única forma de incrementar a produtividade do trabalho e, dessa forma, fazer crescer a taxa de crescimento económico. Este facto, por si só, mas que se encontra fora do âmbito específico deste artigo, mereceria uma análise paralela sobre a incapacidade estrutural de parte relevante dos gestores portugueses em dinamizar a economia dentro da dinâmica paradigmática e centrada na aplicação tecnológica acima descrita.
Em termos comparativos europeus, verifica-se que, mesmo num período de crédito abundante, a economia portuguesa continuaria sem ser capaz de convergir os seus níveis de produtividade com os da restante União Europeia. Nesse sentido, recorreu-se a dados do Eurostat, relativos à produtividade por hora de trabalho calculada em volume de euros, para se construir a Tabela 1.
Tabela 1 – Produtividade por hora de trabalho, calculada em euros
Fonte: Eurostat [3].
Calculando as proporções relativas às diversas economias nacionais, os dados disponíveis permitem verificar que a produtividade portuguesa em 2000 era 39,94% da alemã (14,9/37,3 euros) e em 2011 era 39,01%. Portanto, mesmo já a economia alemã estando a produzir no ano de 2000, em média, 37,3 euros por hora (algo de que nem em 2011 Portugal chegava a metade), esta conseguiu incrementar mais 5 euros por hora na última década. Portanto, a um nível já elevado de produtividade, a economia alemã foi capaz de continuar a fazer crescer, em termos absolutos, a capacidade de produzir maior quantidade de bens e de serviços por cada hora de trabalho. Inversamente, Portugal, que só produzia, em média, 14,9 euros por cada hora de trabalho em 2000, chegou a 2011 com 16,5 euros por hora. Se percentualmente o diferencial de aumento da produtividade nem seria muito distinto (10,74% contra os 13,40% na Alemanha), na realidade a economia portuguesa, em 11 anos, incorporou por cada hora de trabalho apenas mais 1,6 euros. Ou seja, a taxa de crescimento unitário da produtividade foi de cerca de um terço da registada na Alemanha. Por conseguinte, e em jeito de resumo, a economia portuguesa tinha então uma produtividade cerca de 39% da alemã e teve, em onze anos, um aumento nos ganhos de produtividade do trabalho na ordem de um terço do registado na Alemanha, a economia mais poderosa da zona euro.
Por conseguinte, dadas as dificuldades estruturais dos gestores em alavancarem o crescimento económico numa base de aumento constante da produtividade, a orientação económica prevalecente consubstanciou-se na aposta no setor de bens não-transaccionáveis e no aumento do consumo particular (das famílias e das empresas) a partir da contração de dívida externa.
Sintomaticamente, estes seriam alguns dos focos de discussão pública e de política económica no período em que o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o FMI intervencionaram a economia portuguesa, a partir de 2011. Contudo, na base da economia, as questões relativas ao incremento dos níveis de investimento, mais especificamente no que diz respeito à intensidade capitalística e respetiva aplicação de tecnologia avançada e de emprego jovem qualificado, continuaram sem uma resposta global, coerente e estruturada.
Notas:
[1] Blanchard, O. (2007). Adjustment within the euro. The difficult case of Portugal. Portuguese Economic Journal, vol. 6, nº1
[2] Frasquilho, M. (2013). As raízes do mal, a troika e o futuro. Lisboa: Bnomics, p.49
[3] Eurostat – Labour productivity per hour worked.
.
.