Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: Gerontologia: um caminho sem ninguém ficar para trás
Autora: Filipa Sousa Luz
Filiação institucional: Associação Nacional de Gerontólogos; Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo; Associação do Porto de Paralisia Cerebral
E-mail: filipasousaluz@gmail.com
Palavras-chave: Gerontologia, Associativismo, Profissionalização.
Portugal é o 4.º país mais envelhecido do mundo [1], registando um índice de envelhecimento, em 2022, de 183,5% [2] tendência demográfica, não só exclusiva do nosso país, mas também a nível mundial. Um fenómeno que traz consigo várias problemáticas e, consequentemente, necessidades multifacetadas. O envelhecimento é o tema da atualidade e consigo surge também a emergência de novos profissionais que deverão estar preparados para trabalhar com e em nome das pessoas à medida que envelhecem. Neles se inclui o Gerontólogo.
O termo Gerontologia é usado pela primeira vez por Metchnikov [3], em 1903, apresentando-a como a ciência que estuda o fenómeno do envelhecimento humano e só um século depois, abrem, em Portugal, as primeiras licenciaturas em Gerontologia, que permitiram a formação superior de profissionais especializados no domínio do envelhecimento. Um caminho ainda muito curto para uma profissão que emerge num contexto social ávido de respostas complexas e exigentes, desafiando o poder, a ação governativa para a promoção de estratégias e políticas públicas orientadas e ajustadas às boas práticas do envelhecimento e com os profissionais da área do saber.
A partir do surgimento da profissão de Gerontólogo em Portugal, nasce, em 2008, a Associação Nacional de Gerontólogos (ANG), com o objetivo de representar e defender o Gerontólogo enquanto novo profissional na área do envelhecimento. Um coletivo que nasce com jovens recém-licenciados que procuravam, numa primeira instância, criar espaço de atuação para os recém-gerontólogos. Volvidos 15 anos, a ANG assume hoje a importante missão de continuar a representar e defender os interesses do Gerontólogo, em prol da dignificação da sua atividade profissional. A sua ação organiza-se em torno de dois eixos fundamentais: (i) a promoção e divulgação da Gerontologia e do papel do Gerontólogo junto das autoridades governamentais, das restantes profissões e da sociedade civil e (ii) a luta pelos direitos das pessoas mais velhas.
A profissão é jovem, não só pelos anos de existência, mas pela média de idade dos profissionais. Jovens formados para trabalhar com os mais velhos, à primeira vista, de modo simplista, pode ser um paradoxo questionável… Talvez seja. Mas o contacto com os profissionais que estão no terreno, a par com a literatura neste domínio [4], evidencia que a idade pode não ser tão determinante numa efetiva prática gerontológica. Mais do que a idade, a prática gerontológica é determinada pela formação e, por isso, pelas competências – comunicacionais, atitudinais e instrumentais, implicando o gerontólogo numa visão multidimensional e orientação interdisciplinar, tendo por base os direitos dos adultos mais velhos. A este propósito, em março deste ano, no âmbito do I Congresso Internacional de Gerontologia, o Professor Alexandre Kalache, ex-diretor do programa global de envelhecimento da Organização Mundial da Saúde, dirigiu-se aos gerontólogos e estudantes de Gerontologia com as seguintes palavras: “Vocês fizeram a escolha certa. Sejam embaixadores e ativistas desta causa. Porque a Gerontologia não é só uma disciplina académica. É uma causa.”.
Como é que pode a Gerontologia ser (também) uma causa? Uma pergunta que frequentemente faço aos estudantes do 1.º ano da licenciatura, logo no início do ano-letivo, é: o que vos motivou a escolher Gerontologia? E, frequentemente, os estudantes apontam as relações intergeracionais que eles já vivenciaram como a causa que os despertou para escolher esta área profissional. São, muitas vezes, os problemas que vivenciaram no cuidado informal e que não conseguiram resolver. É, sobretudo, a motivação para ajudar, para contribuir, para fazer diferente e melhor pelos adultos mais velhos. Há uma consciência – mais ou menos – generalizada que vivemos numa sociedade com muita margem para melhorar a forma como promove o envelhecimento ativo, saudável e digno das pessoas à medida que elas envelhecem. Já no início da primeira década do século XXI, em Portugal, um estudo de Fernandes [5] alertava para os constrangimentos ao nível da inovação, qualificação dos serviços e diversificação da oferta no domínio do envelhecimento, denunciando que o crescimento dos serviços não era proporcional à capacidade para responder à maior heterogeneidade do grupo dos mais velhos.
Esta inquietude que advém da certeza que iremos/estamos a atuar numa realidade onde há falta de oportunidades para envelhecer com saúde, participação e segurança, torna, de facto, a Gerontologia não apenas uma disciplina académica, mas também uma causa. Uma causa que a ANG tem dado voz, coletivamente e de múltiplas formas. Recentemente, através da auscultação dos profissionais que intervém nas respostas sociais, a associação apresentou um conjunto de recomendações ao Governo, sobre a atual (e futura) legislação que orienta o funcionamento das respostas sociais. Para além disso, temos vindo a ser voz ativa na defesa dos direitos das pessoas mais velhas, sobretudo daquelas que residem em respostas sociais e cujas normas institucionais se sobrepõem – muitas vezes – à autonomia e liberdade individual da pessoa. A título de exemplo, situações como as saídas dos residentes da instituição ou as visitas de dia e hora marcadas, sem direito a flexibilidade (como aconteceria, à partida, nas nossas casas).
Como é que uma associação – criada para defender um novo profissional – pode promover a participação dos mais jovens e, simultaneamente, dos adultos mais velhos? Os mais jovens reveem-se na causa – e sinal disso é o número crescente de associados! -, porque percebem que podem escolher uma profissão que promove a mudança na forma como se envelhece em Portugal. A participação dos mais velhos é também promovida a partir das iniciativas que a ANG desenvolve na defesa dos direitos humanos e através da atuação dos gerontólogos nos contextos da prática profissional.
Ter os mais novos a defenderem os direitos das pessoas mais velhas é o cocktail perfeito para a construção de uma sociedade mais justa e amiga de todas as idades. Aproxima os jovens dos velhos, promove a solidariedade intergeracional, sendo esta uma das estratégias mais eficazes para combater o idadismo [6] e para mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos em relação ao envelhecimento e à idade. Em última análise, porque não devemos (nem queremos) deixar ninguém para trás [1].
Notas:
[1] United Nations (2023). World Social Report 2023: Leaving No One Behind In An Ageing World. Disponível em URL: <https://desapublications.un.org/file/1087/download>.
[2] FFMS (2023). Índice de envelhecimento e outros indicadores de envelhecimento, Lisboa: PORDATA.
[3] Paúl, C. & Ribeiro, O. (2012). Manual de Gerontologia, Lidel.
[4] Schoenmakers, E.C., Damron-Rodriguez, J., Frank, J.C., Pianosi, B., Jukema, J.S. (2017). Competencies in European gerontological higher education. An explorative study on core elements. Gerontology & Geriatrics Education, (38)1, 5-16. https://doi.org/10.1080/02701960.2016.1188812
[5] Fernandes, A.A. (2007), Envelhecimento, perspectivas de criação de emprego e necessidades de formação para a qualificação dos recursos humanos, Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional.
[6] Organização Pan-Americana da Saúde (2022), Relatório mundial sobre o idadismo. Organização Pan-Americana da Saúde. Disponível em URL: <https://doi.org/10.37774/9789275724453>.
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