Revisitando Portobello

Dimensão analítica: Cultura, Artes e Públicos

Título do artigo: Revisitando Portobello

Autor: Eduardo Silva

Filiação institucional: Bolseiro FCT (ref: 2020.04757.BD) no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto – Faculdade de Letras da Universidade do Porto

E-mail: up201207527@edu.letras.up.pt

Palavras-chave: Fotografia, turismo, Portobello.

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Figura 1 – Quarteira. Fotografia da série Portobello, de Patrícia Almeida

Pensando o turismo a partir do campo da fotografia, Martin Parr assume-se como a referência incontornável: a sua carreira foi dedicada a observar o turismo, o lazer e o consumo enquanto práticas sociais de massas e os seus efeitos nas paisagens físicas e humanas. Através da sua fotografia vemos o turismo enquanto fenómeno transformador dos lugares visitados pelo turista, o qual é caricaturado como um eterno Outro oriundo dum qualquer outro país, vestido com roupas garridas, retratado em poses inusitadas, distanciado dos locais autóctones e regularmente munido duma câmara fotográfica. Da proximidade entre turismo e fotografia, já apontada e discutida por vários autores (Aquino, 2016, pp. 16-17; Crawshaw e Urry, 2003[1997], p. 180; Hammond, 2001, p. 1), recupera-se a ideia do fotógrafo enquanto “superturista, uma extensão do antropólogo, visitando nativos e trazendo de volta notícias dos seus fazeres exóticos e equipamentos estranhos” (Sontag, 2005[1973], p. 33). Olhando para o ensaio fotográfico Portobello, no qual Patrícia Almeida nos convida a visitar um Algarve que articula exotismo com familiaridade, começamos por recordar a antropóloga Joana Lucas quando refere que este “não faz parte de um roteiro nostálgico que procura ou lamenta a “autenticidade” perdida de um Algarve imaginário” (2008, n.p.).

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Figura 2 – Via Appia. Fotografia da série Portobello, de Patrícia Almeida

Viajando por Portobello não percorremos o Algarve rural e piscatório da arquitetura vernacular caiada de branco, do folclore regional e das paisagens naturais imaculadas, mas sim as suas paisagens naturais colonizadas por edificações, nomeadamente pelos hotéis e aldeamentos turísticos necessários para hospedar os turistas que visitam a região. A natureza é também colonizada ao ser apropriada e reutilizada enquanto elemento decorativo nos vários espaços construídos pelo Homem, os quais assumem contornos heterotópicos (Foucault, 2013[2009]): chaminés algarvias confundem-se com lanternas chinesas na esplanada dum restaurante chinês; um guarda-sol de palha, colunas de inspiração dórica e flora diversa misturam-se num campo de golfe de relva artificial; uma máscara veneziana e estrelas adesivas fluorescentes cercam um palco montado frente à pista de dança dum bar, completo com pano e luzes de ribalta. Assim, o Algarve de Portobello é o dos “territórios lúdicos” (Baptista, 2005, p. 47), fabricados a partir da conceção do entretenimento como modalidade de consumo de massas. E se essa paisagem corresponde à face ilustrada do postal do Algarve, no seu reverso encontramos quem acolhe os turistas das mais diversas formas. Desde o barman que prepara bebidas extravagantes, passando pelo massagista que atenua as maleitas do corpo à entertainer que nos convida a mexê-lo sob as luzes da pista de dança, Portobello é povoado por sujeitos diversos.

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Figura 3 – Tina Turner. Fotografia da série Portobello, de Patrícia Almeida

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Figura 4 – T-shirt molhada / Wet t-shirt. Fotografia da série Portobello, de Patrícia Almeida

Além de fotografar os anfitriões (locais), Almeida também fotografou os convidados (turistas) retratando estes em poses inusitadas e frontalmente. Olhando para os seus retratos frontais de anfitriões e convidados, a equivalência formal que a fotografia faz destes dois grupos de sujeitos rompe com a noção que um configura um Outro em relação a si próprio. Por sua vez, estes retratos denunciam a proximidade com que Almeida trabalhou com os seus participantes: sendo impossível anonimizar alguém que é fotografado de forma frontal, nem sempre os retratos foram legendados com os nomes dos participantes, e quando foram é impossível determinar se esses serão os seus nomes reais dado somente ter sido divulgado um nome. Almeida teve ainda o cuidado de não retratar nenhum dos seus participantes a consumir substâncias psicotrópicas e de minimizar as possibilidades destes serem identificados em situações potencialmente prejudiciais para a sua imagem, fotografando-os nessas ocasiões de costas ou fixando-se em partes dos seus corpos. A nossa viagem por Portobello termina, aliás, num conjunto de fotografias que revelam os excessos hedonistas de alguns dos ritos de sociabilidade que ocorrem nos espaços turísticos durante os quais a nudez, que de dia desponta nas praias sob o calor do sol, de noite desposta nas discotecas sob o calor das luzes artificiais, sendo que o traço comum destas duas práticas é, invariavelmente, a comunhão com outros corpos.

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Figura 5 – suicideisyouronlyhope@. Fotografia da série Portobello, de Patrícia Almeida

Pensando o turismo a partir de Portobello, este ensaio fotográfico revela valor sociológico devido à abordagem de Almeida: primeiro, a dignidade que confere aos seus participantes ilustra a reflexividade que deve nortear qualquer processo de produção de conhecimento quer usemos a escrita ou a fotografia para falar das atividades turísticas e do turista; segundo, o seu enfoque nos efeitos do turismo na paisagem física e humana do litoral algarvio leva-nos a ponderar no enquadramento deste enquanto uma busca por autenticidade por parte do turista e qual o grau zero dessa mesma autenticidade que, segundo Marco D’Eramo, é “encenada” (2021[2017], p. 210) e “negociada” (Ibidem). Devemos, portanto, pensar no turismo e no turista na sua relação com o presente e com os lugares que ocupa, os quais se transformam (também) devido à sua ocupação, mas sobretudo em relação a nós próprios enquanto turistas com o mundo que nos rodeia enquanto espaço turístico, quer este seja matéria de trabalho e/ou de lazer.

Referências:

Aquino, L. (2016). Picture ahead: a kodak e a construção do turista-fotógrafo. São Paulo: Edição de Autor.

Baptista, L. V. (2005). Territórios lúdicos (e o que torna lúdico um território): ensaiando um ponto de partida. Forum Sociológico , 13/14 (2), 47-58.

Crawshaw, C., & Urry, J. (2003[1997]). Tourism and the photographic eye. In C. Rojek, & J. Urry (Ed.), Touring cultures: Transformations of Travel and Theory (pp. 176-195). Londres e Nova Iorque: Routledge.

D’Eramo, M. (2021[2017]). The World in a Selfie: An Inquiry into the Tourist Age. Londres e Nova Iorque: Verso.

Foucault, M. (2013[2009]). O corpo heterotópico: as heterotopias. São Paulo: n-1 edições.

Hammond, J. D. (2001). Photography, Tourism and the Kodak Hula Show. Visual Anthropology , 14, 1-32.

Lucas, J. (2008). A ficção do lazer em tempo de sol. Retrieved junho 6, 2022, from Artecapital: http://www.artecapital.net/exposicao-203-patricia-almeida-portobello

Sontag, S. (2005[1973]). On Photography. Nova Iorque: RosettaBooks, LLC.

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