Os comportamentos aditivos e as dependências em contexto laboral, prevenir e intervir hoje

Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de vida

Título do artigo: Os comportamentos aditivos e as dependências em contexto laboral, prevenir e intervir hoje

Autor: Carlos Ramos Cleto

Filiação institucional: Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD)

E-mail: carlos.cleto@sicad.min-saude.pt

Palavras-chave: comportamentos aditivos, dependências, saúde ocupacional, intervenção, prevenção.

A intervenção sobre os problemas relacionados com o álcool e outras substâncias psicoativas no local de trabalho assenta na premissa de que o consumo de tais substâncias constitui um problema de saúde e segurança suscetível de deteção e intervenção precoces, minimizando sempre que possível o tempo de afastamento da pessoa do local de trabalho.

Prevenir o uso indevido de substâncias psicoativas constitui-se numa ação de inquestionável relevância nos mais diversos contextos sociais – escola, família, comunidade e empresa –, dada a complexidade da questão e os impactos associados ao consumo, abuso e à dependência de substâncias psicoativas [1].

Ao planificar uma intervenção preventiva é preciso conhecer os fatores que colocam o trabalhador em risco e os que o protegem, a fim de atuar minimizando os primeiros e fortalecer os segundos.

As ações preventivas não podem ser desenvolvidas isoladamente, ou seja, devem ser elaboradas a partir de pressupostos sobre as eventuais relações do indivíduo com as substâncias psicoativas. Deve ter-se em consideração que um mesmo fator pode ser de risco elevado para uma pessoa de menor risco para outra e ainda constituir um fator protetor. Um indivíduo tímido, por exemplo, pode reagir com medo perante a disponibilidade de umas substâncias e não a usar, ao passo que outro, em resultado da sua timidez, eventualmente receoso de ser rejeitado pelo grupo, pode aderir ao consumo da mesma. (entendendo-se assim o 3º vértice do triangulo da relação substância, individuo e contexto) [2]. As intervenções orientadas para a promoção da saúde no local de trabalho, ajudam a informar e a mudar atitudes em relação ao uso de substâncias psicoativas e ao seu impacto na saúde individual e na empresa [3].

Esta abordagem exige a implementação de um conjunto diversificado de ações, suscetíveis de afetar positivamente a segurança e saúde e o bem-estar dos trabalhadores. Implica também que as questões da segurança e saúde não sejam tratadas separadamente. Devem ser entendidas como um todo, interdependentes e complementares, devendo resultar em políticas operacionais concertadas e integradas.

No atual contexto mundial de liberalização económica e globalização, exige-se a cada empresa níveis de produtividade e de competitividade que não se compadecem com culturas de gestão que não promovam o desenvolvimento e o bem-estar dos seus trabalhadores, dimensão definida no âmbito da responsabilidade social e organizacional.

A implementação de programas de sensibilização, informação, educação ou formação é um elemento muito relevante na definição e implementação da política de saúde da organização e devem ser destinados a todos os atores da organização: órgãos decisores, estruturas com implicações nesta matéria, nomeadamente, o serviço de segurança e saúde do trabalho/saúde ocupacional, os recursos humanos, a ação social, as chefias intermédias e diretas, os representantes para a segurança e saúde do trabalho, representantes dos trabalhadores e os próprios trabalhadores.

Embora o tecido empresarial e organizacional português seja muito heterogéneo, consideramos que alguns pressupostos das intervenções são transversais, entre eles a definição estratégica de que os locais de trabalho são contextos privilegiados para a prevenção e intervenção nos consumos problemáticos de substâncias psicoativas, que  o  enfoque deve ser na promoção e sensibilização para estilos de vida saudáveis e que  deve  existir apoio ás organizações que desenvolvem estas  intervenções de  forma  a  que se abranjam não só os trabalhadores, mas também às suas famílias e comunidades onde estas se inserem.

Em Portugal o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) é uma das entidades que tem desenvolvido programas de promoção da saúde no âmbito do comportamento aditivo e dependências no local de trabalho, em dezenas de municípios, empresas, universidades e estruturas das Forças Armadas, utilizando o modelo de Intervenção “Prevenir e Intervir no Local de Trabalho”.

A intervenção em contexto de trabalho foi desenvolvida através de uma metodologia que implica, entre outras fases, a existência de um questionário de representação de risco, aplicado a toda a organização.

Apresento agora os dados dos questionários, aplicados nas 10 últimas entidades onde desenvolvemos modelos de Intervenção, apresentando alguns resultados preliminares que me parecem mais relevantes.

As entidades alvo da metodologia e aplicação do questionário foram nove municípios e uma estrutura das forças armadas, distribuídos regionalmente pelo norte e centro de Portugal e por um município da região metropolitana de Lisboa.

Os resultados preliminares mostram que nas organizações alvo da aplicação desta metodologia, 78% dos inquiridos referem a importância da intervenção com a metodologia utilizada, aferindo-se assim a ideia de que a intervenção nestes comportamentos pela via da intervenção   salutogénica é preferida á sancionatória.

Além disso, 81% dos entrevistados mencionam que um dos mecanismos de rastreamento de consumo é importante para a implementação da metodologia do projeto.

O rastreio dos consumos é entendido como uma componente da intervenção da Medicina do Trabalho, fugindo á anterior conceção de uma intervenção persecutória por parte da organização.

Foram também questionados os elementos da organização (trabalhadores e chefias) sobre um cenário hipotético onde o inquirido teria de ajudar alguém (colega ou das suas relações próximas) com problemas de consumos de substâncias psicoativas ou dependência. Segundo os dados observados, 45,2% das pessoas considera-se pouca preparada (260 respostas) para ajudar e com uma diferença de apenas 4% responderam que estariam preparados para esta situação (241 respostas). Observa-se ainda algumas pessoas que admitem não saber como poderiam agir (7%). Depreende-se assim que a vasta maioria dos inquiridos não estaria capacitado para intervir, ajudar ou mesmo encaminhar alguém que lhe seja próximo para uma resposta de saúde no âmbito dos Comportamentos Aditivos e Dependências (CAD). Encontramos assim um enorme espaço para a capacitação de elementos dentro das organizações, sendo um fértil contexto para o trabalho no sentido de aumentar a literacia em saúde, nomeadamente no que concerne aos CAD, chegando a uma faixa etária da população empregada que não é muito abrangida pela informação que atualiza os seus conhecimentos base de saúde.

Depreendo que, tendo em conta os dados preliminares, que a intervenção em contexto de trabalho ancorada em diagnósticos iniciais se revelou uma metodologia mais adequada e mais orientada para as necessidades específicas de cada uma das organizações. Os dados recolhidos levam-nos a crer que esta metodologia pode e deve ser alargada a outras organizações públicas e privadas, mantendo o seu nível de adequação e resultados.

Notas:

[1] Castro, M.F., Cleto, C.R., & Silva, N.T. (2011). Segurança e saúde no trabalho e a prevenção do consumo de substâncias psicoativas: linhas orientadoras para a intervenção em meio laboral. Lisboa: IDT, ACT.

2] Zinberg, Norman E. (1986). Drug, Set, and Setting: The Basis for Controlled Intoxicant Use. Yale: Yale University Press.

[3] Organização Internacional do Trabalho (2003). Problemas ligados ao álcool e a drogas no local de trabalho: Uma evolução para a prevenção (edição portuguesa de 2008). Lisboa: Autoridade para as Condições aos Trabalho.

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