Espaços verdes urbanos e bem-estar social. Como pode a biofilia contribuir para o planeamento e manutenção de infraestruturas ecológicas na cidade? O caso do Porto

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Espaços verdes urbanos e bem-estar social. Como pode a biofilia contribuir para o planeamento e manutenção de infraestruturas ecológicas na cidade? O caso do Porto

Autor/a: Marina Prieto Afonso Lencastre, Paulo Farinha-Marques, Diogo Guedes Vidal, Rui Estrada, Equipa do Projeto “Compor Mundos” [1]

Filiação institucional: Universidade Fernando Pessoa e Universidade do Porto

E-mail de contacto: mlencast@ufp.edu.pt

Palavras-chave: biofilia, espaços verdes, bem-estar.

Frequentar ou contemplar um espaço verde promove a saúde física e mental, aumenta a cooperação e motiva os comportamentos a favor do ambiente [2]. A existência de espaços verdes nas cidades tem efeitos positivos sobre a biodiversidade, consistindo num sumidouro de CO2 e ajudando a regular a temperatura urbana, que tende a aumentar nas épocas estivais e com o aquecimento global. Algumas das questões essenciais para o planeamento urbano consistem não só em dotar as cidades de espaços verdes, mas também de os inserir em roteiros ecológicos fomentando a biodiversidade, proporcionando uma utilização sustentável de vizinhança, favorecendo a sua manutenção cidadã e desenvolvendo um sentido de pertença através das narrativas históricas e também de quem os frequenta. Para Thomson e Newman [3], existe uma tensão entre uma conceção de cidade sustentável, focada na resolução intensiva dos problemas, e uma conceção ecológica, mais centrada nos processos e na renovação naturais. Esta tensão pode ser resolvida se o conceito de urbanismo biofílico for adotado, reconciliando a ideia de gestão compacta de recursos naturais com a ideia mais ampla de gestão ecológica desses mesmos recursos.

A biofilia foi definida pela primeira vez em 1973 por E. Fromm [4] que escreveu sobre a necessidade que os humanos têm de contactar com a natureza e com os seres vivos. Em 1984, o conceito foi retomado por Edward O. Wilson [5] numa obra em que argumenta que a biofilia consiste na nossa afinidade natural com a vida e constitui a essência da nossa humanidade. Para Wilson, a biofilia fundamenta a ética ambiental e o desejo de preservação dos espaços e das espécies naturais, motivando as experiências espirituais de muitas religiões ligadas à natureza, que falam de uma religação especial dos humanos aos demais seres vivos e ao todo cósmico. A causa profunda da biofilia radica no facto da evolução e da história humanas se terem desenrolado no ambiente natural, e a memória dessa experiência milenar mantém-se viva em nós, exprimindo-se através das nossas preferências inatas por determinados estímulos e tipos de paisagem. Um exemplo é a paisagem de tipo da savana, que parece ser o protótipo da paisagem preferida pelos humanos, de forma transcultural [6], com alguma variação provocada pela experiência e pela enculturação [7].

A biofilia mede-se pela evocação de emoções positivas pela natureza, que permanecem ativas na nossa espécie. Passear na floresta ou no parque de uma cidade, escutar os sons dos animais e das plantas, contemplar a paisagem natural, tem como efeito abrandar as funções corticais superiores, como o pensamento e a atenção executiva, e regular as funções do cérebro mais antigo que processa as emoções, os comportamentos de defesa e de fuga [8] e as funções homeostáticas básicas como a pressão arterial, os batimentos cardíacos e a transpiração [9]. A respiração dos odores das árvores (terpenos), durante um passeio pelo parque, provoca um estado de relaxamento que regula os ritmos circadianos e promove a vitalidade física [2]. Contemplar a natureza tem como efeito melhorar o estado funcional do cérebro e restaurar a atenção e as funções cognitivas [10]. O urbanismo biofílico assenta nesta tendência humana para se relacionar positivamente com os espaços naturais. Os seus benefícios podem ir desde a produção de alimentos até à melhora da qualidade da água e do ar, arrefecimento urbano, promoção da biodiversidade, e podem ser realizados em áreas urbanas densas, conjuntamente com áreas urbanas de baixa densidade. Um dos aspetos interessantes deste urbanismo consiste em envolver as pessoas na sua manutenção e vivência, desenvolvendo programas de cultivo, de limpeza e de educação para os benefícios do contacto com a natureza.

No caso da cidade do Porto, um inquérito exploratório recentemente aplicado a uma amostra (não representativa) de utilizadores dos jardins e parques públicos da cidade [11] revelou que 27,3% dos respondentes acredita que existe uma relação entre o seu estado de saúde, física e mental e a frequência de um espaço verde. O mesmo inquérito identificou que os utilizadores que acreditam nesta relação são aqueles que mais satisfeitos estão com os espaços verdes que frequentam (p <0,05). A satisfação plena com um espaço verde, que vá ao encontro das expetativas dos seus utilizadores, pode ser um meio de melhorar o bem-estar dos mesmos. Uma das principais razões apontadas pelos utilizadores que os levam a frequentar os espaços verdes é a oportunidade para contactarem com a natureza (17%) (Figura 1). Por outro lado, os utilizadores dos espaços verdes tendem a revelar maior consciência ecológica do que a população em geral e aqueles que frequentam estes espaços com mais frequência reconhecem que as plantas e os animais têm o mesmo direito de existir que os humanos [12].

Fig. Lencastre

Figura 1. A – Parque Ocidental da cidade do Porto. Utilizador contempla a paisagem (Março, 2020); B – Jardim do Passeio Alegre. Utilizadores ao redor de uma árvore usufruindo da sua sombra num dia de sol e muito calor (Agosto, 2021).

Ainda que reconhecida a afinidade natural com a vida e com a natureza, a biofilia parece ser estimulada pela frequência de espaços verdes que satisfaçam as necessidades dos utilizadores. As pessoas preocupam-se com a qualidade do ambiente que as rodeia quando reconhecem que o seu equilíbrio, ou desequilíbrio, afeta a sua saúde. Importa agora que a biofilia seja traduzível nos comportamentos das pessoas e na gestão destes espaços, essencialmente no desenho de intervenções que promovam o voltar à natureza.

Notas

[1] Artigo desenvolvido no âmbito do projeto “Compor mundos: humanidades, bem-estar e saúde no século XXI”, apoiado pela Fundação Ensino e Cultura Fernando Pessoa (FFP). Diogo Guedes Vidal é financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, através da Bolsa de Doutoramento com a referência SFRH/BD/143238/2019.

[2] Zelenski, J., Dopko, R., & Capaldi, C. (2015), Cooperation is in our nature: Nature exposure may promote cooperative and environmentally sustainable behavior. Journal of Environmental Psychology. 42, 24-31

[3] Thomson, G. & Newman, P. (2021), Green Infrastructure and Biophilic Urbanism as Tools for Integrating Resource Efficient and Ecological Cities. Urban Planning, 6(1), 75–88.

[4] Fromm, E. (1973), The Anatomy of Human Destructiveness. Holt, Rinehart and Winstom: New York.

[5] Wilson, E.O. (1983), Biophilia, the Human Bond With Other Species. Harvard University Press: Cambridge.

[6] Ulrich, R. (1983), Aesthetic and affective response to natural environments. In: Altman, I. & Wohlwill, J.F. (Eds). Human behavior and the natural environment, New York: Plenum, 85-125.

[7] Falk, J. & Balling, J. (2010), Evolutionary influence on human landscape preference. Environment and Behavior, 42(4): 479–493.

[8] Lencastre, M. & Farinha-Marques, P. (2021), Da Biofilia à Ecoterapia. A Importância dos Parques Urbanos para a Saúde Mental. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 61: 131–155.

[9] Arvay, C. (2018), The biofilia Effect. Colorado: Sounds True.

[10] Schertz, K. & Berman, M. (2019), Understanding nature and its cognitive benefits. Current Directions in Psychological Science. 28 (5): 496-502.

[11] Vidal, D.G., Fernandes, C.O.. Viterbo, L., Vilaça, H., Barros, N., & Maia, L.R. (2021), Usos e Perceções sobre Jardins e Parques Públicos Urbanos: Resultados Preliminares de um Inquérito na Cidade Do Porto (Portugal). Finisterra, 56(116), pp. 137–157.

[12] Vidal, D.G., Dias, R.C., Seixas, P.C.. Dinis, M., Fernandes, C.O., Barros, N., Maia, R.L. (2022). Measuring Environmental Concern of Urban Green Spaces’ Users (UGSU) Through the Application of the New Ecological Paradigm Scale (NEPS): Evidence from a Southern European City. In W. L. Filho, D. G. Vidal, M. A. P. Dinis, & R. C. Dias (Eds.), Sustainable Policies and Practices in Energy, Environment and Health Research (1st ed.). Cham: Springer International Publishing, pp. 21-37.

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