Adiamento da maternidade e preservação da fertilidade – Parte 1

Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: Adiamento da maternidade e preservação da fertilidade – Parte 1

Autora: Catarina Delaunay

Filiação institucional: Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (NOVA FCSH)

E-mail: catarinadelaunay@fcsh.unl.pt

Palavras-chave: Tendências sociodemográficas, adiamento da maternidade, preservação da fertilidade.

Nas últimas décadas, temos vindo a assistir nos países ocidentais, sobretudo na Europa, a uma tendência social no sentido do adiamento da maternidade em mulheres em idade reprodutiva. Em 2019, a idade média da mulher ao nascimento do primeiro filho no conjunto dos países da União Europeia era 29,4 anos, sendo que em Portugal era 29,9 anos.

Em termos de evolução, segundo dados do INE, a idade média das mulheres ao nascimento do primeiro filho tem vindo a aumentar em Portugal. Em 2020, a idade média das mulheres ao nascimento do primeiro filho foi 30,2 anos, mais 2,1 anos relativamente a 2010. Se recuarmos mais no tempo, em 2000 a maternidade surge aos 26,5 anos, enquanto que em 1990 era-se mãe pela primeira vez aos 24,9 anos.

Face à definição médica e legal da idade fértil da mulher, considera-se uma gravidez tardia ou em idade avançada quando ocorre depois dos 35 anos. Assim, do ponto de vista clínico, a idade ideal para se engravidar é entre os 20 e 30 anos, já que é nessa fase da vida da mulher que a sua fertilidade está em alta, os óvulos são mais novos, e isso representa um risco menor de problemas durante a gestação. Segundo os especialistas, a partir dos 37 anos a mulher começa a perder capacidade reprodutiva de forma mais acentuada e, consequentemente, a enfrentar maiores dificuldades em engravidar.

No entanto, o conceito de idade ideal para se ter um filho, apesar da sua dimensão normativa, é socialmente variável, tendo vindo a mudar ao longo do tempo, decorrente quer dos avanços na medicina, quer das próprias mudanças a nível do contexto social e económico, bem como em termos de valores, sobretudo no que se refere ao empoderamento feminino. Se na década de 60, a idade considerada ideal para engravidar era dos 18 aos 25 anos, atualmente isso alterou-se e, hoje em dia, há uma tendência crescente de as mulheres terem filhos cada vez mais tarde, sobretudo depois dos trinta anos de idade. Acresce que as gravidezes após os 35 anos aumentaram quase para o dobro, nas últimas décadas, enquanto a maternidade antes dos 20 caiu para metade.

O adiamento da idade da mulher ao primeiro filho pode ser explicado por um conjunto de fatores socioeconómicos interligados. Cada vez mais as mulheres optam por prolongar os estudos e investir na carreira profissional, adiando assim a entrada na maternidade. A composição da população universitária é maioritariamente feminina, inclusive nos níveis de escolaridade mais avançados, embora com diferenças consoante os cursos.

Paralelamente, as mulheres pretendem participar no mercado de trabalho em igualdade de condições e oportunidades com os seus congéneres masculinos, o que, associado à insuficiência de políticas de apoio social no sentido de uma melhor conciliação entre vida familiar e vida profissional, levam as mulheres a ter de optar entre a maternidade e uma carreira. A menor estabilidade no emprego e a maior insegurança a nível económico-financeiro, decorrente da crescente precariedade laboral, também constitui outro dos fatores que concorre para que as mulheres decidam ter filhos cada vez mais tarde, até conseguirem ter uma maior autonomia ou independência financeira.

Segundo o Inquérito à Fecundidade de 2019, as mulheres que tiveram o primeiro filho mais tarde do que desejavam foram as que mais apontaram como muito importantes para o adiamento os motivos relacionados com a estabilidade financeira e no emprego e as condições da habitação. Acresce que cerca de nove em cada dez mulheres (89,8%) e 85,9% dos homens consideram que os incentivos à natalidade são essenciais, apontando a criação de medidas de que se destacam a flexibilização dos horários de trabalho para mães e pais com filhos pequenos, o alargamento da rede e do acesso a creches, jardins de infância e ATL, bem como a criação de subsídios de apoio aos pais e incentivos fiscais às entidades empregadoras com práticas de gestão que apoiem trabalhadores com filhos.

De igual modo, a difusão e generalização do acesso a métodos contracetivos permitiu às mulheres controlarem o seu corpo, em termos reprodutivos, podendo decidir quando engravidar. Esta maior liberdade a nível procriativo constituiu uma importante revolução cultural, apesar de ainda haver uma certa associação entre identidade feminina e maternidade e daí a forma como as situações de infertilidade têm um forte impacto na vida dessas mulheres e na sua autoestima, na medida em que correspondem a uma certa rutura identitária face à incapacidade de desempenharem determinados papéis de acordo com as expectativas sociais.

Acresce que a dificuldade em estabelecer relações conjugais estáveis (dado o elevado nível de divórcio e a ausência de parceiro com quem partilhar o projeto parental), leva a que algumas mulheres vão sucessivamente adiando a decisão e o momento de serem mães. Associada ao fim da indissolubilidade do laço conjugal e ao aumento das expectativas face à própria relação (por exemplo face aos ideais de partilha e igualdade de género no casal), temos também a própria alteração dos valores em relação ao papel da criança no seio da família e às razões para procriar.

No entanto, outro aspeto relevante é o adiamento do segundo filho, como o comprova um estudo sobre as intenções reprodutivas tardias e a fecundidade da coorte nascida em 1970-1975 (Cunha, 2016). Daí igualmente a necessidade de medidas de política centradas no apoio à transição para o segundo filho, num conjunto global de políticas de incentivo à natalidade. A problemática da natalidade constitui, assim, simultaneamente, uma questão social, económica e política.

O adiamento da maternidade traz consigo inúmeros desafios societais e está, inclusive, associado a novas tendências como seja o crescente recurso a técnicas de preservação de fertilidade por parte de mulheres sem problemas de saúde.

Bibliografia:

Cunha, V. (2016). O adiamento do segundo filho. As intenções reprodutivas tardias e a fecundidade da coorte nascida em 1970-1975. In: Cunha, V., Vilar, D., Wall, K., Lavinha, J., Pereira, P. T. (Orgs), A(s) problemática(s) da natalidade em Portugal: uma questão social, económica e política, pp. 125-142. Lisboa: ICS. Imprensa de Ciências Sociais.

INE – Instituto Nacional de Estatística (2014). Inquérito à Fecundidade: 2013. Lisboa: INE.

INE – Instituto Nacional de Estatística (2021). Inquérito à Fecundidade: 2019. Lisboa: INE.

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