Trabalho doméstico: avanços sim …há ainda muito para fazer

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública

Título do artigo: Trabalho doméstico: avanços sim …há ainda muito para fazer

Autora: Albertina Jordão

Filiação institucional: Gestora de programas na OIT-Lisboa

E-mail: jordaoa@ilo.org

Palavras-chave: Trabalho doméstico, Igualdade, Convenção.

Um legado de exclusão legal e societal e de indiferença não é superado da noite para o dia. Uma implementação significativa da nova norma sobre trabalho doméstico requer imaginação e inovação legal, compromisso político e apoio das políticas públicas” [1].

Dez anos após a adoção da Convenção (n.º 189) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa ao trabalho digno para o trabalho doméstico, em 2011 [2], a OIT apresentou o primeiro balanço do impacto da sua adoção nas condições de trabalho e de proteção social das trabalhadoras [3] e dos trabalhadores domésticos.

A realidade do trabalho doméstico é agora melhor conhecida. A pandemia da COVID-19 conferiu uma particular visibilidade a uma atividade que, pela sua natureza – longe da vista e em situação de isolamento -, tem estado na sombra. Contudo, sem este trabalho realizado maioritariamente por mulheres, para outras mulheres e que continua a ser visto como um trabalho de mulheres [1], não seria possível continuar a satisfazer as necessidades crescentes de apoio a pessoas idosas, crianças e pessoas com deficiência ou com doenças crónicas. São ainda estas trabalhadoras a apoiar as famílias na realização das tradicionais tarefas de limpar, lavar, cozinhar, passar a ferro, entre tantas outras.

O défice de condições de trabalho digno para trabalhadoras domésticas foi determinante para a emergência de uma norma internacional que classificasse este trabalho como um trabalho real como qualquer outro e por isso a ter de ser regulado e regulamentado.

Passados dez anos, e apesar da adoção da norma ter ocorrido em plena crise económica e financeira (2008-2009), se analisarmos a situação em 2010 e em 2020, incluindo o impacto da pandemia da COVID-19, verifica-se uma melhoria significativa quando se observam os principais indicadores em termos de regulamentação das condições de trabalho e da proteção social. Desde logo, verifica-se uma crescente formalização de uma atividade que continua a ser marcada pela informalidade [4].

Por outro lado, e olhando para os dados recolhidos, constata-se que são cada vez mais os países que consideram o trabalho doméstico quer através da lei geral do trabalho, quer através de regulamentação específica ou de lei especial [5]. Relativamente ao horário de trabalho e o direito ao descanso, é crescente o número de países que passaram a limitar o número de horas semanal (50%), equiparando a outras atividades profissionais [6] e a prever o direito ao descanso semanal (77.8%). Estas duas dimensões são críticas para um tipo de trabalho que nunca está terminado e, em particular, para trabalhadoras domésticas internas. Viver no domicílio de quem a emprega dificulta a separação entre horas de trabalho e horas de descanso e de lazer. Aliás, é na dimensão descanso semanal que se verificou uma maior variação positiva (21.5%). Outro indicador importante, o direito a férias pagas é também aquele em que se registou uma variação positiva superior a dez por cento (12.6%).

A evolução foi menos significativa em duas dimensões com impacto relevante nas mulheres: salário mínimo, incluindo pagamentos em espécie e licença por maternidade. Em muitos países a não existência de salário mínimo na legislação em geral, permitindo o pagamento de salários muito baixos, penaliza em especial este tipo de trabalho. Por outro lado, o pagamento total ou parcial em troca da alimentação ou do alojamento reforça a situação de dependência e de pobreza que torna este trabalho “menos igual do que o outro trabalho”.

No que se refere ao direito à licença por maternidade e à sua remuneração, isto é, subsídio por maternidade, o relatório apresenta dados importantes. Se é de destacar que 74% dos países preveem a licença por maternidade para as trabalhadoras domésticas, também deve ser sublinhado que a variação desta percentagem, entre 2010-2020, é pouco significativa, não alcançando os cinco por cento. Relativamente ao subsídio por maternidade, verifica-se que 68.5% dos países concede este apoio sem discriminar este setor. Contudo, na análise da variação entre 2010 e 2020, assinala-se igualmente um crescimento reduzido, na ordem dos 3.6%.

Nesta matéria importa referir que, para que as trabalhadoras domésticas tenham direito a licença por maternidade paga, é necessário que tal licença esteja consagrada na legislação como um direito e uma proteção no trabalho. É, portanto, um sinal preocupante que as convenções da OIT relativas à proteção da maternidade sejam das menos ratificadas em termos globais [7]. Tal contribui certamente para a não concretização de um mínimo de direitos para todas as mulheres trabalhadoras ou que esses direitos fiquem condicionados a regras que excluem, na prática, muitas mulheres.  Mas também concorre para esta realidade o elevado nível de informalidade desta atividade: 81.2% do trabalho doméstico no mundo é informal. O nível de informalidade é o dobro daquele que se observa noutras atividades profissionais.

O relatório da OIT introduz, ainda, outras variáveis importantes para a análise da realidade do trabalho doméstico [5]. Destaco duas. A primeira, relativa à segurança e saúde no trabalho [8], por estar frequentemente ausente das análises que são feitas a este tipo de trabalho.

Se existe atividade em que os riscos, que são muitos e normalmente desvalorizados, podem ser minimizados, é esta. Riscos que vão desde o manuseamento de produtos tóxicos e perigosos nas atividades de limpeza ao stress emocional que decorre do tomar conta e cuidar de crianças, pessoas com doenças e com deficiência.

A outra variável de análise prende-se com a violência e assédio no trabalho, em especial assédio sexual, que tornam estas trabalhadoras particularmente vulneráveis a abusos de natureza económica, psicológica, física, verbal, intimidação, coerção, violação, privacidade, entre outras.

É nossa convicção que este Relatório da OIT veio permitir conhecer melhor uma realidade cuja dimensão tem crescido nos últimos anos e que constitui uma importante fonte de emprego em todo o mundo. Por outro lado, oferece um conjunto de recomendações de políticas e de boas práticas que cremos serem de grande utilidade para os constituintes tripartidos da OIT. Sem trabalho digno para trabalhadoras domésticas não existirá justiça social.

Notas:

[1]Tomei, M. (2013). Da Sombra para a Luz: o Trabalho doméstico e a OIT, in Cadernos Sociedade e Trabalho, n.º 16, pp.59-75.

[2] Veja-se o artigo de Manuel Abrantes sobre este mesmo tema: Uma convenção e as convenções | Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (http://barometro.com.pt)

[3] Daqui em diante referirei trabalhadoras domésticas, uma vez que, na Europa, de acordo com os dados disponíveis, as mulheres representam 90% das pessoas que realizam trabalho doméstico.

[4] Esta informalidade concorre para um número reduzido de horas de trabalho por semana, isto é inferior a 15 horas ou entre 15 e 19 horas. É o caso de países, como Portugal, Reino Unido, Grécia e Espanha.

[5] ILO (2021), Making decent work a reality for domestic workers: Progress and prospects ten years after the adoption of the Domestic Workers Convention, 2011 (No. 189), Genebra: ILO.

[6] De acordo com o Relatório da OIT Portugal e citando a legislação nacional as trabalhadoras domésticas podem trabalhar até 44 horas semanais.

[7] A Convenção (nº 183) sobre a proteção da maternidade de 2000, foi ratificada por 39 países, a Convenção (n.º 103) sobre a proteção da maternidade de 1952, foi ratificada por 41 países.

[8] O Relatório refere que a lei portuguesa exige que sejam fornecidos vestuário e equipamento de proteção mas também que sejam devidamente identificados os produtos que possam constituir um risco para a saúde.

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