Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública
Título do artigo: Notas sobre a transformação digital no setor bancário
Autor/a: Renato C. Braga, Leandro P. Cintra, Sofia A. Cruz, Allan C. Q. Barbosa
Filiação institucional: Universidade Federal de Minas Gerais – PPGIT (apoio Fapemig), Universidade do Porto
E-mail: rhbra2014@gmail.com
Palavras-chave: transformação digital, bancos, chatbots, precarização do trabalho.
O uso de inovações tecnológicas baseadas em computação cognitiva nas organizações é crescente, atinge escala global e afeta a organização do trabalho e a gestão dos recursos humanos. Este fenómeno está presente no setor bancário, pelo uso de algoritmos de inteligência artificial (IA), de que são exemplo os agentes virtuais (chatbots). Tais dinâmicas, por vezes intermediadas por startups, podem ser observadas nas realidades brasileira e portuguesa desse setor, permitindo assim refletir sobre a voracidade da transformação digital e sua contribuição para a precarização do trabalho.
No âmbito dessa transformação, surgem evidências de que o vínculo da computação cognitiva com necessidades industriais alterou o modo de entrega de serviços aos consumidores [7] [8]. Há sistemas capazes de interação com os clientes através de linguagem natural em aplicações como tradução de idiomas e carros autónomos. Funcionalidades que envolvem decisões pela articulação de algoritmos complexos e grande volume de dados, processos esses relacionados com os conceitos de machine learning, deep learning e redes neurais.
As tecnologias conversacionais inseridas nesse fluxo, como os chatbots (agentes virtuais), ocorrem por aplicativos de mensagens como Facebook Messenger e WhatsApp. São desenvolvidas por empresas que procuram ou apoiam as vantagens da automação do atendimento e que conciliam essas soluções com ferramentas como Watson (IBM) e Luis (Microsoft). Um cenário no qual essas tecnologias demonstram a possibilidade de “imitar” competências humanas complexas, como a comunicação natural empática, por voz e texto, em interfaces virtuais de apoio ao processo de interação com pessoas.
As características apresentadas ganham particular relevo nos bancos, uma vez que as operações de call center fazem parte dos seus canais de atendimento e relacionamento com os clientes internos e externos. Trata-se de um setor com forte presença na economia e no mercado de trabalho, em função da entrega de serviços à sociedade, aportes financeiros e oferta de empregos tanto em agências bancárias, como nos departamentos de contact center. No Brasil, os relatórios da Federação Brasileira de Bancos [4], evidenciam nítidos avanços de canais digitais, como internet banking e aplicativos mobile, realidade igualmente observada em bancos de Portugal, de acordo com os relatórios da Associação Portuguesa de Bancos [1].
No contexto de uma investigação empírica comparativa [2], a utilização de chatbots (agentes virtuais) em bancos com agências físicas aponta que o setor bancário português se mostra incipiente comparado às dinâmicas intensas observadas na conjuntura brasileira. A pesquisa apresenta também indícios de que startups avançam e colaboram para o acréscimo do uso de chatbots no âmbito do atendimento a clientes e funcionários do setor bancário em Portugal. Tendências que podem ocorrer de modo mais acelerado em função do quadro pandémico intensificado pela Covid-19 em 2020.
Essa investigação mostra, em dados publicados pela Federação brasileira, que os principais bancos associados fazem uso da nova tecnologia. Um dos relatórios da Instituição, em 2018, cita que além de o número de agências digitais ter aumentado, os investimentos em computação cognitiva ocorreram em 80% dos vinte bancos pesquisados. Doze desses bancos investiram 8% do budget total em novas tecnologias de computação cognitiva, entre 2016 e 2017. Tendências que se mantiveram nos anos seguintes e despontam em anúncios como os do Bradesco e do Santander em 2021, pautados por ênfases nos seus agentes virtuais de atendimento Bia e Gente, respectivamente. Já entre informações dos sete maiores bancos da Associação Portuguesa de Bancos, mostraram-se relevantes a inserção de robótica e processamento de linguagem natural como prioridade estratégica do Millennium BCP, o lançamento considerado como primeira assistente digital transacional de Portugal em dezembro de 2019, na aplicação Caixa Directa da CGD, e a participação do Novo Banco no Acatis AI Global Equities Fund. Destaque-se que o Novo Banco possui relações com o banco digital Best que lançou em 2018 a BEA (Best Electronic Assistant), um chatbot baseado em IA e que responde aos utilizadores sobre produtos e serviços.
Trata-se de evidências corroboradas por estimativas de automação maioritária em bancos e call centers [3] [6] e redução de bilhões de dólares pelo uso de chatbots nos próximos anos, bem como pelo crescimento de 28% no número de patentes de IA para bancos e afins entre 2013 e 2016 [9]. Os índices atuais evoluem de formas semelhantes, a par de tendências sobre a precarização do trabalho [5], os anúncios recentes sobre o fechamento de agências físicas, a abertura de agências digitais e, paradoxalmente, os informes de lucros pelos bancos.
As considerações acerca dos contextos brasileiro e português permitem articulações sobre a computação cognitiva, como relevante dimensão da transformação digital contemporânea que contribui para a precarização do trabalho. Nesses ambientes, percebe-se que as competências individuais ainda se mantêm como principal fonte de vantagem competitiva. Entretanto, a organização do trabalho e a gestão dos recursos humanos sofrem mudanças que impactam nas suas práticas em função da divisão do trabalho entre pessoas e algoritmos. Esse fenómeno incrementa a automação das capacidades cognitivas e afeta um significativo contingente de pessoas. Impõe-se assim o desafio de requalificar tanto para novos postos tecnológicos quanto para práticas que contribuam para reduzir desigualdades e atestar valor às competências complexas, à criatividade e às relações e produções artesanais humanas.
Notas
[1] Associação Portuguesa de Bancos. APB. http://www.apb.pt
[2] Braga, R. C. (2020). Inteligência Artificial e Organização do Trabalho Bancário: uma análise de bancos brasileiros e portugueses. Instituto de Ciências Biológicas – UFMG. Dissertação Mestrado.
[3] Dhanda, S. (2018). Chatbots: Banking, eCommerce, Rentail & Healthcare 2018-2019. Basingstoke: Juniper Research.
[4] Federação Brasileira de Bancos. FEBRABAN. https://febraban.org.br
[5] Figueiredo, C. (2019). Algoritmos, subsunção do trabalho, vigilância e controle: novas estratégias de precarização do trabalho e colonização do mundo da vida. Revista Eptic. 21(1), pp. 156-172.
[6] Frey, C. B.; Osborne, M. A. (2015). Technology at work: the future of innovation and employment. Citi GPS. Oxford Martin School. University of Oxford.
[7] Makridakis, S. (2017). The Forth coming Artificial Intelligence (AI) Revolution: Its Impact on Society and Firms (article). Neapolis University, Paphos, Cyprus.
[8] Pan, Y. (2016). Heading toward Artificial Intelligence 2.0. Engineering, 2(4), pp. 409–413.
[9] WIPO. (2019). Technology Trends 2019. Artificial Intelligence. World Intellectual Property Organization: Geneva.
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