Catástrofes e participação na gestão do risco

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Catástrofes e participação na gestão do risco

Autora: Ana Delicado

Filiação institucional: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

E-mail: ana.delicado@ics.ulisboa.pt

Palavras-chave: alterações climáticas, incêndios florestais, workshops com stakeholders.

O mês de julho de 2021 tem sido, infelizmente, fértil em notícias que nos mostram que as alterações climáticas não são num futuro longínquo. Primeiro, a devastadora onda de calor que afetou a costa Noroeste do continente americano. Temperaturas elevadas a bater recordes em cidades que associamos mais a neve e invernos rigorosos, centenas de mortos em dois dos países mais desenvolvidos do mundo, milhões de exemplares de espécies marinhas dizimados em poucos dias. Depois, os incêndios em 10 estados dos Estados Unidos, que ardem sem cessar há semanas e já destruíram centenas de milhares de hectares de florestas, destruindo casas e obrigando à evacuação de populações. Agora, na passada semana, inundações devastadoras na Europa central causaram centenas de mortos e muitos desaparecidos. As imagens de carros submersos, casas arrastadas pela corrente, infraestruturas viárias danificadas pela força da água causaram espanto e consternação, amplificados pela noção que esta catástrofe estava a ocorrer em alguns dos países mais afluentes e bem preparados da Europa. Correram mundo as declarações de uma residente local, que afirmava: “Não se espera que morram pessoas numas cheias na Alemanha. Espera-se talvez em países pobres, mas não se espera aqui [1]”.

Estes acontecimentos mostram que, apesar dos impactos desigualmente distribuídos das alterações climáticas, os países mais ricos e desenvolvidos não estão imunes a eventos extremos com consequências catastróficas. Considera-se até que nestes países os prejuízos económicos possam ainda ser maiores, uma vez que contam com (e dependem de) infraestruturas mais complexas e sofisticadas, que será mais oneroso reparar e substituir. Estes eventos mostram também que cada vez faz menos sentido falar em catástrofes naturais. Estas catástrofes são claramente antrópicas, causadas por alterações climáticas provocadas pela emissão de gases com efeitos de estufa, e as suas consequências são notoriamente agravadas pela presença humana, que reserva cada vez menos espaço à natureza.

Portugal é particularmente vulnerável a qualquer um destes três riscos: ondas de calor, fogos florestais e inundações. O primeiro tem causado regularmente excessos de mortalidade: a título de exemplo, em julho-agosto de 2020 o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge estima que tenha havido um total de 2.164 óbitos em excesso [2]. O terceiro causa regularmente danos em diversos pontos do país, mas afetou a região da Madeira de forma particularmente dramática em 2010, com perto de meia centena de mortos e mil milhões de euros de prejuízos [3]. O segundo, também presença habitual na época de verão, atingiu o seu expoente máximo em 2017, quando dois incêndios “fora de época”, em junho e em outubro, causaram mais de 100 mortos e 500 mil hectares de área ardida.

Foi precisamente a partir desta catástrofe em 2017 que surgiu a iniciativa da Fundação para a Ciência e Tecnologia de lançar um concurso de Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico no âmbito da Prevenção e Combate de Incêndios Florestais [4]. No primeiro ano de edição, um dos projetos financiados foi “Pessoas e Fogo: reduzir o risco, conviver com o risco” (PCIF/AGT/0136/2017), com a participação do Instituto Superior de Agronomia, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território e Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa [5]. O projeto tem por objetivo principal desenvolver e testar um novo quadro analítico que apoie o desenvolvimento e avaliação de novas políticas de gestão florestal centradas nas pessoas para reduzir o risco de incêndio.

O projeto pretende combinar três tipos de modelos:

  1. Modelos de risco, que integram os principais fatores responsáveis pelo dano total dos incêndios.
  2. Modelos de escolha, que visam predizer o que as pessoas escolheriam em determinadas circunstâncias.
  3. Métodos participativos, que asseguram o envolvimento das partes interessadas, no que se refere à compreensão das práticas relevantes para compreender o risco de incêndio, à coprodução de soluções políticas eficazes e à deliberação sobre cenários de política alternativos.

Foi precisamente nesta terceira dimensão que em junho/julho de 2021 realizámos workshops online em quatro concelhos da área de estudo (Pinhal Interior). Convocando stakeholders de diversos quadrantes – administração local e regional, forças de segurança (GNR), proteção civil, bombeiros, conservação da floresta, proprietários florestais, empresários do setor turístico, produtores locais, associações de desenvolvimento local, coletividades culturais e recreativas, paróquias, órgãos locais de comunicação social, organizações não-governamentais de ambiente, instituições de ensino – pretendíamos consultar os participantes para um melhor entendimento das práticas relevantes no risco de incêndio e para propor conjuntamente soluções de política pública para a floresta e território. Em cada workshop os participantes foram divididos em grupos que abordaram temas diferentes:

– Espaços florestais: proteção dos espaços rurais, ordenamento e gestão florestal e gestão de fogos rurais com o intuito de reduzir a área ardida;

– População e segurança: proteção de pessoas, bens e animais na envolvente edificada e industrial contra incêndios rurais.

No primeiro abordavam-se temas como gestão florestal e ZIF (Zonas de Intervenção Florestal), gestão de combustível e proprietários residentes e não residentes, custos e financiamento da gestão de combustível, ordenamento florestal e o Programa de Transformação da Paisagem. No segundo, a discussão incidia sobre perceções e fatores de risco, segurança e proteção dos residentes, faixas de gestão de combustível em redor dos aglomerados populacionais ou o Programa de Revitalização do Pinhal Interior, baldios e desenvolvimento local.

As catástrofes e os eventos extremos estão a tornar-se inevitáveis com as alterações climáticas. Mas há muito que pode ser feito para prevenir os seus efeitos mais nocivos. Incluir as partes interessadas e os cidadãos na definição de políticas e planos de prevenção, mitigação e preparação é um passo essencial para garantir soluções eficazes e socialmente justas que vão de encontro às necessidades, preocupações e capacidades da sociedade.

Notas:

[1] DW News, Germany: Aflter the floods, what’s left?, Disponível em URL [Consult. 17/07/2021] https://www.dw.com/en/germany-after-the-floods-whats-left/av-58299060

[2] Silva, S. P. et al. (2021). Avaliação da época de vigilância ICARO – Mortalidade: 2020, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP, Disponível em URL http://hdl.handle.net/10400.18/7270

[3] Silva, J.B. P., Almeida F. E., & Gomes, C.S.F. (2010). Aprender com a natureza: Enxurradas e inundações na Madeira, MINGEO 2010, Disponível em URL http://hdl.handle.net/10400.18/7270 https://geomuseu.ist.utl.pt/MINGEO2010/Documentacao%20Complementar/Madeira%20DN.pdf

[4] https://www.fct.pt/apoios/projectos/concursos/incendios_florestais/index.phtml.pt

[5] Website do projeto: https://pessoasefogo.wordpress.com/

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