Até que ponto há respeito pela decisão da pessoa idosa e/ou dependente?

Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: Até que ponto há respeito pela decisão da pessoa idosa e/ou dependente?

Autora: Helena M. Carvalho

Filiação institucional: CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho

E-mail: hmsc0804@gmail.com

Palavras-chave: Institucionalização, Pessoa idosa, Respostas Sociais, Vontade própria.

Ao longo dos anos, as respostas sociais, como Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) ou Serviços de Apoio ao Domicílio (SAD), não só triplicaram, como, pela sua distribuição por todo o território português e junto das comunidades em que estão inseridas, passaram a assumir grande importância social e económica e apontaram novas vias para o futuro. Encontramo-nos, hoje, claramente dependentes da existência desse tipo de respostas. Em matéria de infância e juventude, temos o exemplo das creches ou dos Centros de Atividades de Tempos Livres (CATL’S). Conforme demonstrado no estudo “Importância económica e social das IPSS em Portugal”, cada euro que uma IPSS capta para o seu concelho e, portanto, para um determinado território, é multiplicado por 4,218€ na economia desse mesmo território. São as instituições que, maioritariamente, têm equipamentos para crianças e idosos, cobrindo 70,76% do número total de freguesias do Continente, sendo que, em 27,16% do número total de freguesias do Continente, as IPSS são as únicas entidades que têm equipamentos para crianças e idosos [4].

Estas situações verificam-se devido às transformações verificadas na sociedade, especialmente de índole demográfica e familiar. O progressivo envelhecimento da população, a diversidade interna desse envelhecimento e o aumento da esperança média de vida, os indicadores referentes à exclusão social, as mudanças na estrutura e nos modelos de família, assim como a extensão crescente dos direitos de cidadania, tornaram imperativa a conceção de novas formas de intervenção e o ajustamento das respostas sociais já existentes, de modo a que privilegiem a flexibilidade necessária para atender à mutação constante e à crescente complexidade da realidade social [2].

Tem-se apostado na diversidade deste tipo de respostas com vista ao apoio das populações, com a ênfase a ser colocada no reforço do papel das famílias, na conciliação do trabalho familiar com a vida profissional, no desenvolvimento do apoio domiciliário, na dinamização de estruturas de convívio e de combate ao isolamento e insegurança e numa maior e melhor prevenção e cobertura das situações de dependência. Nesta perspetiva, tem confluído a ação de vários organismos públicos, privados e da sociedade civil, contribuindo para a concertação da ação social, numa lógica de parceria, complementaridade e participação, contribuindo para a inclusão social dos mais diversos grupos [3]. Pretende-se que toda a população tenha uma resposta adequada às necessidades que surjam, nomeadamente, a população idosa, no que se refere aos problemas de saúde.

Os problemas de saúde são evocados, por diversas ocasiões, por parte daqueles que recorrem a pedidos de apoio à Ação Social (AS) ou às respostas sociais, como o Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), Centros de Dia ou de uma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), o que se confirmou ao longo da realização dos inquéritos e das entrevistas na investigação: “Desigualdades Sociais e Grupos Sociais Vulneráveis. Sociedade, Políticas e Estratégias de sobrevivência em Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto”. Os resultados indicam que tanto a população mais jovem como os mais velhos realçam que os problemas de saúde influenciam e influenciaram a sua vida. A título de exemplo, das 20 pessoas entrevistadas a usufruir de apoio de uma resposta social, 8 desejavam que assim não fosse, conforme se pode atestar nos seguintes testemunhos: “estou bem, mas preferia estar em casa. Aceitei integrar o lar porque os médicos me disseram que não podia estar sozinha” (Ana, 78 anos), “preferia estar em minha casa.” (Susana, 88 anos), ou “gosto do lar em si, gosto de todos/as, mas preferia estar em sua casa.” (Sónia, 83 anos) [2].

No entanto, esta nem sempre é uma decisão unânime e acontece, em alguns casos, que os principais interessados (os idosos) não são envolvidos nessa decisão. Não quer isto dizer que os decidores desejem o pior para a pessoa visada, antes pelo contrário, queremos acreditar que é uma decisão tomada devido às condições de saúde e/ou sociais da pessoa idosa e/ou com incapacidade. Mas, então, até que ponto é respeitada a vontade do idoso? E qual o papel das instituições que o acolhem? Outro aspeto verificado na investigação “Desigualdades Sociais e Estratégias de Sobrevivência” foi um sentimento de revolta e de tristeza por parte das pessoas integradas em ERPI, tendo essa integração sido efetuada sem o seu conhecimento ou consentimento: “Antes de vir para aqui vivia com uma filha, mas foram elas que me trouxeram, não sabia de nada… Não queria vir, mas inscreveram-me sem eu saber.” (Cristina, 85 anos) [2]. Consideramos este ponto de grande relevância, uma vez que é fundamental que a pessoa, encontrando-se na plenitude das suas capacidades, tome parte da decisão sobre o seu futuro.

Gostaríamos de salientar que qualidade de vida não é apenas o bem-estar ao nível da saúde. Ter qualidade de vida é estar em equilíbrio, é que cada pessoa assuma as suas decisões e reflita sobre as mesmas, é que cada pessoa possa ter o controlo sobre aquilo que acontece [1]. É difícil ter qualidade de vida quando se está integrado numa ERPI, devido ao número de clientes que cada instituição tem repartido pelo rácio exigido de colaborador por X número de clientes. Assim como no SAD, em que o serviço de higiene habitacional acaba por ser restringir apenas aos espaços de utilização do quotidiano; ou, ainda, no caso do serviço de higiene pessoal, em que a pessoa pode ter a necessidade de apoio diário e não conseguir suprir essa necessidade apenas com o apoio de SAD, que tem como objetivo retardar ou evitar a institucionalização. Nos casos em que não há retaguarda familiar e em que a pessoa idosa não possua recursos económicos para contratar alguém para a realização deste tipo de atividades, e que, sobretudo, não possua condições de saúde que lhe permitam assegurar as atividades de vida diárias, a própria família acaba por sentir que há a necessidade de recorrer à institucionalização.

Assim, há aspetos importantes a considerar. O primeiro é que as dinâmicas de SAD necessitam de sofrer alterações urgentemente, por forma a melhor apoiar as populações, sendo que, para isso, há a necessidade de maior comparticipação por parte do Instituto da Segurança Social, pois conforme mostram os resultados da investigação supramencionada, muitos idosos/dependentes permaneceriam no seu domicílio, conforme, aliás, nos refere a entrevistada Carlota, 78 anos: “Se pudesse, agora gostava de estar em casa dos seus filhos em vez de estar no lar” [2]. Depois, é que é importante que as próprias dinâmicas das ERPI’s sofram alterações que visem responder não só às necessidades visíveis e generalistas, mas necessidades de foro e interesse pessoal, assim como que o quadro técnico de recursos humanos seja alargado e constituído por equipas multidisciplinares para uma intervenção mais acertada e diferenciada. As caraterísticas das pessoas idosas não são, atualmente, as mesmas de há 10 ou 20 anos, o próprio percurso de vida não é o mesmo e o tipo de atividades desenvolvidas deixa de responder aos interesses individuais.

Por fim, é importante a sensibilização das gerações mais novas para o envelhecimento como um processo natural que deve ser aceite, vivido com naturalidade e preparado de acordo, e sempre que possível, com a vontade dos próprios. Não seremos sempre jovens e, mais tarde ou mais cedo, será necessário recorrer a algum tipo de apoio. Portanto, a consciencialização individual é fundamental para o sucesso de qualquer intervenção e, dessa forma, se evitarem decisões que vão contra a vontade do próprio.

Notas:

[1] Almeida, H. N. (2012). Envelhecimento, Qualidade de Vida e Mediação Social Profissional na Saúde”, in, M. I. Carvalho (2012). Serviço Social na Saúde, Lisboa: Pactor: 139-181.

[2] Carvalho, H. M. S. (2019). Desigualdades Sociais e Grupos Sociais Vulneráveis. Sociedade, Políticas e Estratégias de sobrevivência em Cabeceiras de Basto e Celorico de Basto, Tese de Doutoramento em Sociologia apresentada ao Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho: Braga.

[3] Instituto Segurança Social (2013), Decreto-Lei n.º 13/2013 de 25 de janeiro. Disponível em (Consult. 16 de fevereiro de 2016): http://www.seg-social.pt/documents/10152/1226101/Decreto-Lei_13_2013_25_janeiro/de5d2ca2-1141-49fe-9cd9-c72b9bb9aa3e.

[4] Mendes, A. M. S. C. (2018), Importância Económica e Social das IPSS em Portugal, CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade. Disponível em: ttps://www.researchgate.net/publication/331134938_Importancia_Economica_e_Social_das_IPSS_em_Portugal.

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