Dimensão analítica: Educação e Ciência
Título do artigo: A sociedade civil, a academia e a Escola podem ajudar a mitigar o fenómeno de ignorância
Autora: Irene Pimentel
Filiação institucional: IHC – Instituto de História Contemporânea
E-mail: ireneflunserpimentel@gmail.com
Palavras-chave: História, democracia, Holocausto, educação.
Entrevista conduzida por João Aguiar, Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
1. Como historiadora e como opositora à ditadura do Estado Novo, que avaliação lhe suscita a recente ascensão da extrema-direita no panorama nacional e internacional?
Pessoalmente nunca pensei assistir na minha vida biológica a um ressurgimento da deriva autoritária, de exclusão, do racismo e da extrema-direita. Como outros na minha geração esta tendência “apanha-nos” quando já não temos as forças e as capacidades da juventude, em que pensávamos que conseguiríamos combater a ditadura, o colonialismo e a guerra colonial. Oscilávamos entre certezas de “amanhãs que cantariam” e de transformação e mudança, e entre o pessimismo das gerações mais velhas que sempre tinham vivido numa longuíssima ditadura.
Enquanto historiadora, que estuda a mudança na acção humana individual e colectiva no passado, sei que as situações não são estáticas e que “não há mal que sempre dure”, mas também “bem que nunca acabe”. Espero que os mecanismos democracia e os valores universais de direitos humanos e autonomia e liberdade pelos quais nos regemos, bem como o civismo sejam suficientes para eliminarmos derivas autoritárias e racistas.
2. O negacionismo do Holocausto convive lado a lado com o desconhecimento da real dimensão genocida da Shoa. Por exemplo, numa sondagem nacional (https://www.nbcnews.com/news/world/survey-finds-shocking-lack-holocaust-knowledge-among-millennials-gen-z-n1240031) 60% de adultos norte-americanos com menos de 40 anos de idade desconheciam que tinham sido assassinados 6 milhões de judeus (respondiam números inferiores). E na mesma sondagem quase metade dos respondentes não era capaz de sequer mencionar um único campo de concentração. Pergunto-lhe de que forma a sociedade civil, as instituições escolares, as universidades, etc podem contribuir para mitigar este fenómeno.
A sociedade civil, a academia e a Escola podem ajudar a mitigar o fenómeno de ignorância, mas têm de ser ajudadas pela comunicação social, pelo Estado (não através de uma história oficial, mas pelo apoio à investigação, transmissão e difusão) e pelo Direito (constitucional e outro). O programa “Nunca esquecer”, lançado pelo Conselho de Ministros em 2020, após Portugal aderir como membro de pleno direito à Organização Internacional pela Memória do Holocausto (IHRA), é um exemplo.
Aqui em Portugal, os manuais de História (e a respectiva importância desta disciplina e da Filosofia deve ser aumentada) devem dar mais importância ao Holocausto. Ele é ensinado nos 9.º e 12º anos, mas deveria sê-lo de forma mais desenvolvida. As redes sociais também devem ser usadas para a transmissão do respectivo conhecimento, e nelas deve ser reprimido o negacionismo e a mentira, como já acontece no Facebook.
3. No seu livro “Holocausto” [1] menciona que a “política antissemita nazi teve um caráter cumulativo, de radicalização da violência, através de uma progressão desde a discriminação profissional até ao extermínio, que se desenvolveu por etapas, sem possibilidade de retorno” (p.71). Será arriscado dizer que o extermínio dos judeus já estava contido na mundivisão nazi, mesmo que em traços difusos, desde boa parte do início do movimento?
A exclusão e o ódio ao outro estavam contidos na mundivisão nazi e desde logo no Mein Kampf, de Hitler. No entanto, o eliminacionismo ou quaisquer formas de exclusão, levadas a cabo a partir da subida ao poder do nazismo, e a partir de 1933, a exclusão do espaço público e dos territórios alemães, em 1938, bem como extermínio, na forma que irá tomar o Holocausto, ainda não o estavam, antes de 1941. Pode-se dizer que o Holocausto não era uma inevitabilidade, nos anos 20 e 30 do século XX, e que contou com muitos factores para, desde logo a guerra mundial e sobretudo a guerra total na URSS. Também a “aceitação” das discriminações até ao genocídio decorreu num processo por etapas, cumulativo. Mas, se, das discriminações se pode chegar ao genocídio, ou não, este começa sempre com aquelas e com o ódio. Por isso, não se deve tolerar a intolerância, a discriminação e o ódio, e a nível universal.
4. Na sequência imediata da pergunta anterior, permita-me uma extrapolação para a atualidade. Se for verdade que as organizações políticas extremistas e anti-democráticas já contêm algum tipo ou grau de autoritarismo na sua mundivisão, como devem atuar as democracias perante este cenário? De que forma o sistema educativo e a Educação da História podem ajudar as democracias a encarar este desafio?
Relativamente a organizações antidemocráticas, eu sou radical, penso que não deveriam ser legalizadas. É o paradoxo da tolerância e da democracia assinalada por Popper: o de não podermos tolerar aqueles que querem destruir a democracia. Evidentemente, para dar o exemplo do Chega, que, ao tentar-se legalizar, cometeu toda a espécie de ilegalidades, e por isso a organização não deveria ser legalizada.
Agora, com muitos mais votos e com as sondagens a seu favor, em eleições democráticas (eles utilizam a democracia, para a destruir), é muito mais difícil, devido à vitimização que utilizam. O combate deve ser diário e por todo o lado, com recurso à lei e ao Direito, não permitir nenhuma linguagem de ódio e discriminativo e denunciá-los em permanência.
Nota:
[1] Pimentel, I. (2020). Holocausto. Lisboa: Temas e debates.
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