A evolução da representação de interesses sociais na última década em Portugal

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública

Título do artigo: A evolução da representação de interesses sociais na última década em Portugal

Autor: Paulo Marques Alves

Filiação institucional: ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e DINÂMIA’CET-ISCTE

E-mail: paulo.alves@iscte-iul.pt

Palavras-chave: Sindicatos, Associativismo patronal, Crise.

Na última década acentuou-se a crise de representação dos interesses sociais. Se do lado patronal a filiação associativa das empresas sempre foi baixa, do lado sindical verificou-se a continuação do recuo da taxa de sindicalização, principal indicador da crise do sindicalismo, a qual passou de 19,6% em 2010 para 15,3% em 2016 [1], derradeiro ano para o qual existem dados. Este último valor representa um decréscimo de 45,5 pontos percentuais face a 1978 (Gráfico 1). Estamos perante um dos decréscimos mais acentuados a nível mundial.

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Gráfico 1 – Evolução da taxa de sindicalização em Portugal (%), entre 1978 e 2016

Fonte: ICTWSS

A análise de um sistema sindical envolve a avaliação do seu grau de consistência, que pode ser realizada segundo dois planos: o do número total de organizações existentes aos diversos níveis (sindicatos individuais; estruturas intermédias federativas e de âmbito territorial; confederações) e o do grau de filiação confederal. Um movimento sindical é tanto mais concentrado quanto menor for o número e mais fortes forem as organizações existentes e quanto maior for o índice de filiação na estrutura de topo. E é tanto mais fragmentado quanto maior for o número de organizações e a sua debilidade, situação acompanhada por baixos índices de filiação confederal. Podemos considerar ainda uma situação de carácter dualista, quando um pequeno número de organizações de grandes dimensões e fortes coexiste com uma miríade de pequenos sindicatos fracos [2].

O sistema sindical português – assim como o associativismo patronal – é extremamente fragmentado, tendo-se assistido na última década ao seu acentuar, a par do recuo da taxa de sindicalização.

Uma sua segunda característica do sistema é o relativo baixo grau de filiação confederal da população de sindicatos, ainda que todas as organizações de maior dimensão estejam confederadas. Esta característica aprofundou-se ao longo da década, visto que cerca de 90,0% dos sindicatos fundados não se filiaram nas confederações existentes.

No campo de análise da dinâmica do sistema verificaram-se vários acontecimentos estruturais que importa reter.

Por um lado, no campo fundacional, foram criadas 86 organizações entre 2010 e 2019 (35 das quais no triénio 2017-2019), englobando sindicatos, estruturas intermédias e confederações. Cerca de três quartos destas organizações são sindicatos. Destes, a maioria tem jurisdição na administração pública (34), sendo que só na PSP surgiram onze novos sindicatos e duas federações. Foram ainda fundados três sindicatos de enfermeiros, grupo profissional que realizou uma “greve cirúrgica” entre os finais de 2018 e o início de 2019, recorrendo a um inédito crowdfunding.

 No sector privado é de destacar a criação de cinco sindicatos nos portos, visando combater a crescente influência do antigo sindicato dos estivadores de Lisboa, que alargou a sua jurisdição para o nível nacional e a atividade logística e liderou nos últimos anos importantes greves nos portos de Lisboa e de Setúbal. Destaque merece igualmente a criação em 2018 do SNMMP – Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas, que protagonizou um expressivo movimento grevista durante o ano de 2019, em abril e em agosto. Em finais de 2020, este sindicato viria a ser extinto judicialmente pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa por violação de “preceitos legais do Código do Trabalho”, facto do qual decidiu recorrer.

Em contraponto a esta crescente pulverização, fruto de querelas políticas, estatutárias e de corporativismos vários, prosseguiu o processo de reestruturação organizacional no seio da CGTP-IN, que levou à extinção de oito sindicatos no setor industrial e à constituição por fusão de quatro novas organizações em 2010.

Porque inédita, merece destaque a fundação em 2011 do CENA, resultante da fusão entre um sindicato clássico e duas plataformas de trabalhadores precários do sector dos espetáculos. Este novo sindicato viria a fundir-se em 2017 com o STE, dando origem ao CENA-STE – Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos.

De referir ainda que no início da década foram extintas judicialmente muitas organizações, em consequência do preceito introduzido em 2003 no Código do Trabalho segundo o qual quando uma organização sindical ou associação patronal não publicite durante seis anos a identidade dos seus dirigentes deverá ser extinta através deste modo coercivo. Muitas destas organizações há décadas que tinham deixado de ter atividade.

Esta dinâmica produziu entre 2010 e 2013 um decréscimo acentuado do número de organizações sindicais, a que se seguiu nos anos subsequentes um novo crescimento, em virtude das fundações voltarem a suplantar as extinções (Gráfico 2).

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Gráfico 2 – Evolução do número total de organizações sindicais ativas a 31 de dezembro e das fundações e extinções, por ano, entre 1975 e 2019

Fonte: DGERT

Os sindicatos estruturam-se segundo diferentes formas, dada a existência de uma considerável diversidade de princípios organizativos de base, remetendo para situações em que se garante a exclusividade de uma ou de um pequeno conjunto de profissões, como sucede nos sindicatos de profissão, até outras onde se defende a inclusão de todas as categorias profissionais referentes a mais do que um sector de atividade, como acontece nos conglomerados sindicais que se têm constituído ultimamente nos países capitalistas centrais. A análise dos tipos estruturais dos sindicatos criados ao longo da década evidencia que a sua maioria são sindicatos de serviço/empresa ou de profissão.

Apesar de em Portugal o apuramento da taxa de sindicalização ser uma questão problemática e a medição da representatividade sindical se revelar um assunto tabu, todos os estudos realizados, nomeadamente para o Eurofound, têm creditado a CGTP-IN como a confederação mais representativa.

Inversamente à dinâmica verificada no campo sindical, do lado patronal assistiu-se a um decréscimo acentuado do número de associações, pois as extinções, a esmagadora maioria das quais por via judicial, ultrapassaram largamente as fundações, que ocorreram em número muito reduzido (Gráfico 3).

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Gráfico 3 – Evolução do número total de associações patronais ativas a 31 de dezembro e das fundações e extinções, por ano, entre 1975 e 2019

Fonte: DGERT

Como resultado das dinâmicas registadas, a partir de 2013 o número de associações patronais passou a ser inferior ao de organizações sindicais, o que não sucedia desde 1994 (Gráfico 4).

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Gráfico 4 – Evolução do número de associações patronais e de organizações sindicais em Portugal, entre 1975 e 2019

Fonte: DGERT

Fragilizado devido à constante hemorragia de sócios, o seu principal recurso de poder, à sua crescente fragmentação e às dificuldades existentes na negociação coletiva, o sistema sindical português vive momentos difíceis, encontrando-se na defensiva, o que coloca na ordem do dia a necessidade da implementação de ações, tanto no domínio interno do governo dos sindicatos como no domínio externo, que visem a sua revitalização.

 

Notas:

[1] Visser, J. (2019). ICTWSS Database. versão 6.1. Amsterdão: Amsterdam Institute for Advanced Labour Studies (AIAS), University of Amsterdam.

[2] Visser, J. (1990). In search of inclusive unionism, Deventer: Kluwer.

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