Espaços Verdes e Planos Diretores Municipais: Notas para um Planeamento Urbano mais Sustentável em Portugal

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Espaços Verdes e Planos Diretores Municipais: Notas para um Planeamento Urbano mais Sustentável em Portugal

Autor: Diogo Guedes Vidal e Ricardo Cunha Dias

Filiação institucional: FP-ENAS, Universidade Fernando Pessoa; Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP), Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa.

E-mail: diogoguedevidal@hotmail.com; rdias@iscsp.ulisboa.pt

Palavras-chave: Espaços verdes Urbanos, Planeamento Urbano Sustentável, Revisão e Atualização PDM.

As cidades devem ser hoje exemplos práticos de planeamento e da adoção de estratégias que, de forma integrada, conjuguem desenvolvimento socioeconómico e sustentabilidade ambiental. É neste quadro que a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável [1], e, em particular, o seu Objetivo 11, que visa cidades e povoamentos humanos seguros, inclusivos e sustentáveis, pode ser concretizada. O enfoque sistémico desta e outras agendas atribuem aos serviços prestados pelos espaços verdes urbanos um papel importante (World Health Organization, 2017) [1]. Neste quadro, o planeamento da quantidade, distribuição e acesso destes espaços implica que a espaços de maior privação socioeconómica e ambiental devam corresponder espaços verdes urbanos com elevado potencial de serviços de ecossistemas. No entanto, este potencial tem sido subvalorizado ou mesmo ignorado pelo poder político e pelo planeamento urbano.

A entrada da preocupação ambiental na agenda política internacional entre as décadas de 1970 e 1990 veio influenciar as teorias e práticas do planeamento urbano, sobretudo a abordagem sistémica. Em Portugal, uma maior atenção ao caráter sistémico dos ambientes urbanos só se tornou visível com a adesão, em 1986, à então Comunidade Económica Europeia. Foi por essa altura que, sendo uma condição ao acesso dos fundos europeus, a elaboração de uma 1ª geração de Planos Diretores Municipais (PDM) foi determinada administrativamente. Mas no quadro da cultura de planeamento burocrática e pouco especializado em que tal se deu, o resultado foram instrumentos com um enforque essencialmente urbano e fortemente regulamentar (Campos & Ferrão, 2015) [3] que apresentavam poucas preocupações ambientais (Amado, 2005) [4].

Desde então, o sistema de planeamento português complexificou-se, sobretudo após a publicação da primeira Lei de Bases do Ordenamento do Território, em 1998. Esta 2ª geração de legislação introduziu um grande número de instrumentos multiescala que procuravam substituir a lógica setorial predominante das práticas de planeamento por um sistema coerente e integrado de domínios de intervenção e objetivos das políticas territoriais. No entanto, tal permaneceu por concretizar, em parte, devido aos constrangimentos dos procedimentos burocráticos impostos pela administração central; em parte, porque os municípios continuaram a optar por práticas que remetiam para o modelo tecnocrático prevalecente (Oliveira & Breda-Vázquez, 2016) [5].

Entre 2014 e 2015, o planeamento do território em Portugal foi alvo de uma nova reforma legislativa que implicou uma nova classificação do solo urbano e uma maior integração entre instrumentos de políticas do território. Nesse sentido, os municípios tiveram que rever e atualizar os seus PDM, esperando-se que se entre finalmente naquela que é agora referida como 3ª geração de PDM, caracterizada por um enfoque mais estratégico/sistémico e atribuindo ao ambiente a centralidade necessária para ativar territórios mais sustentáveis, resilientes, justos e inclusivos.

Dados os contributos que os espaços verdes urbanos podem dar para a sustentabilidade nas cidades e qualidade de vida das suas populações, torna-se, assim, pertinente analisar o papel atribuído a estes espaços na revisão e atualização dos PDM. Nesta linha, está em curso uma pesquisa que questionou até que ponto os municípios das duas áreas metropolitanas portuguesas aproveitaram este processo para adotar estratégias que potencializem tais contributos. Através de uma análise aos PDM revistos desses municípios, procurou-se verificar se a problemática dos espaços verdes urbanos, enquanto estratégia para aumentar a sustentabilidade das cidades, surge meramente mencionada ou, se quando mencionada, é acompanhada por um delineamento prático e efetivo de estratégias e ações.

Os resultados preliminares mostram a existência de dois grupos distintos de municípios: os que apresentam PDM atualizados já em linha com uma lógica estratégica e, portanto, mais próximos daquela que tem sido concebida como uma 3ª geração destes instrumentos; e os que apresentam PDM ainda muito segundo uma lógica regulamentar, reduzindo este processo de revisão/atualização a um mero exercício de acomodamento formal aos novos requisitos legais. Porém, em relação ao âmbito territorial em que a visão/estratégia para os espaços verdes é enquadrada, o recorte municipal continua a sobressair fortemente sobre o metropolitano/regional. Por outro lado, ações que visam aumentar a área dos espaços verdes são as mais comuns, sendo escassas as que se centram sobre o acesso e qualidade dos mesmos.

Assim, estes resultados parecem evidenciar um planeamento urbano grandemente municipalizado e a duas velocidades, onde há ainda um longo caminho a fazer para que os benefícios dos espaços verdes urbanos possam ser explorados no planeamento urbano sustentável. O cálculo dos custos-benefícios do planeamento racional parece ser ainda muito realizado em função de critérios económicos de curto prazo; e a lógica sistémica sob a compensação tecno-económica de perdas socioambientais. Ao mesmo tempo, a cultura (ou ausência dela) de planeamento municipalizado, conjugada com as obrigações burocráticas do alinhamento vertical entre instrumentos de planeamento, preponderam sobre uma lógica de integração supramunicipal/regional, inviabilizando os ganhos de escala que uma abordagem verdadeiramente sistémica implica criar.

Notas

a) Investigação financiada pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, através dos projetos SFRH/BD/135804/2018 e SFRH/BD/143238/2019, ao abrigo de apoios do Fundo Social Europeu, Fundos Nacionais do MCTES e pelo Programa Operacional de Capital Humano.

[1] United Nations (2015), Transforming our world: The 2030 Agenda for Sustainable Development. Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015, A/RES/70/1.

[2] World Health Organization (2017), Urban green spaces: a brief for action. Regional Office For Europe.

[3] Campos, V., & Ferrão, J. (2015). O Ordenamento do território: uma perspetiva genealógica, (ICS Working Papers, 1). Lisboa: ICS.

[4]. Amado, M. P. (2005), Planeamento Urbano Sustentável, 3ª ed., Lisboa: Caleidoscópio.

[5] Oliveira, C., & Breda-Vázquez, I. (2016). Políticas Territoriais e Coordenação Intermunicipal em Portugal: Os Dilemas da Ação Coletiva. Ipea, Boletim Regional, Urbano e Ambiental, 14, 83-92.

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