Centro Histórico do Porto – Por uma Área Segura

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Centro Histórico do Porto – Por uma Área Segura

Autora: Laura M. Nunes, Ana Sani

Filiação institucional: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa

E-mail: lnunes@ufp.edu.pt; anasani@ufp.edu.pt

Palavras-chave: Prevenção Criminal, Centro Urbano, Policiamento e arquitetura.

A “análise ao crime” deve considerar múltiplos elementos que atuem articuladamente, atendendo à investigação criminal, bem como à vertente das Ciências Humanas e Sociais, para que se proporcione uma pesquisa que contemple várias fontes de informação, como os registos oficiais, a observação espacial e o autorrelato, não sendo descuradas as especificidades da comunidade que se esteja a analisar nem mesmo as suas caraterísticas sociodemográficas. Uma tal complexidade de análise implica o cruzamento de informações diversas e decorre da própria complexidade do fenómeno da criminalidade urbana. No que se refere a Portugal, mais especificamente à cidade do Porto onde nos focaremos na análise a apresentar, a criminalidade geral apresentou um aumento durante o ano de 2018, estando o distrito do Porto entre os que maior incidência de participações apresentou, exibindo uma maior expressão na criminalidade violenta e grave, segundo o Sistema de Segurança Interna [1], no seu último relatório. Ora, o centro histórico da cidade, pelas suas caraterísticas e pela cada vez maior afluência de turistas, carece de uma atenção especial em termos de segurança.

Em boa verdade, já antes foi enfatizado [2], é imperativa a conjugação de quatro elementos para a existência de crime: lei/sistema de justiça, ofensor, alvo/possível vítima, local/condições facilitadoras. Assim, numa lógica algo semelhante, a atenção foca-se aqui na triangulação dos vértices – estatísticas oficiais do crime (sistema de justiça); crime não reportado e obtido por autorrelato (potencial alvo/vítima); caraterísticas espaciais (local/condições facilitadoras). Embora atendendo ao que há décadas tem sido defendido, esta perspetiva apresenta-se diferente, por conjugar num só projeto estas três dimensões implicadas no fenómeno criminal.

Assim sendo, e a título de exemplo do que se está já a desenvolver no projeto LookCrim (28120/2017_PTDC/DIR-DCP/28120/2017), atenda-se ao primeiro dos três vértices já apresentados, as estatísticas oficiais do crime. É sobejamente sabido e divulgado que os registos oficiais do crime são tão importantes quanto insuficientes para a definição de medidas adequadas a essa realidade, sobretudo se falamos em termos preventivos. Ora, numa área urbana tão nobre quanto atrativa para os turistas, a prevenção será, indubitavelmente, a palavra de ordem e, já que as estatísticas oficiais são deveras importantes para traçar o retrato dessa área, serão analisadas neste projeto. Não obstante, também já foi referida a insuficiência desses números, pelo que se impõe o contraponto com o autorrelato, atendendo-se à perceção daqueles que são a população local. Aqui chegados, estamos já num outro ponto a integrar nesta análise.

Estamos a referir o segundo dos vértices do triângulo já apresentado – o crime não reportado oficialmente, mas obtido por autorrelato. Estes relatos, em complementaridade com as estatísticas oficiais, darão uma maior aproximação ao crime não oficializado, proporcionando-nos mais informação sobre o fenómeno, bem como acesso às designadas “cifras negras”, referentes ao crime ocorrido, mas não comunicado às autoridades. Desde há décadas que autores [3] salientam que menos de metade dos crimes contra pessoas e contra a propriedade são participados à autoridade, havendo discrepâncias entre os registos e as reais ocorrências criminais. Por isso, estes estudos são fundamentais para retratar o crime, também através da perceção das populações, numa abordagem voltada para a prevenção que considere as comunidades e as respetivas especificidades. Escutar a população local tem sido uma recomendação internacionalmente seguida, nomeadamente no que se refere à perceção de crime, incivilidades, e sentimentos de (in)segurança. Esta escuta é aqui proporcionada pelo preenchimento dos questionários de Diagnóstico Local de Segurança (DLS) [4] e de Diagnóstico do Meio Escolar (DME) [5,6] que atende à opinião dos profissionais de ensino, cujo papel na prevenção criminal é muitíssimo importante.

Se a população local é altamente conhecedora do que se passa nas ruas e, até, em alguns dos lares daquela zona urbana, é igualmente verdadeiro que os profissionais de ensino, professores e não professores, são muitíssimo conhecedores do que os alunos transportam para as escolas. Mas a verdade é que, quer as habitações, quer as escolas, quer as praças, as associações recreativas, etc., estão inseridas num meio cujo ambiente é altamente dependente das caraterísticas dos espaços físicos, como tem sido referido por investigadores desse domínio [7]. Assim se chega ao fecho do triângulo.

Esse triângulo é finalmente fechado no seu terceiro vértice, o das caraterísticas espaciais, que, no centro de cidades europeias, designadamente das portuguesas, se torna imperativo analisar, já que remete para locais centenários ou mesmo milenares, com construções e planos urbanos que se iniciaram há muito, incluindo espaços que se desatualizaram e que sofreram desgaste e deterioração, devendo, portanto, ser eficazmente repensados. Para tal, impõe-se a sua análise meticulosa e cientificamente planeada. Este ponto, relativo aos espaços, às suas caraterísticas e distribuição, permite perceber a ocorrência criminal também por esse prisma. Os espaços, as suas características, condições e distribuição, integram fatores que muito afetam os comportamentos das pessoas. Partindo das ideias básicas do Crime Prevention Through Environmental Design (CPTED), apresentadas pelo National Crime Prevention Council [8], e atendendo ao que foi sendo acrescentado e adaptado a essa primeira abordagem, é possível definir os principais indicadores que podem tornar os espaços favorecedores da ocorrência criminal, podendo definir-se os quatro princípios do CPTED – Vigilância Natural, Controlo Natural, Reforço Territorial, Manutenção e Gestão, todos focados nos espaços físicos. Por outro lado, a mesma fonte revela a designada “Three D Approach”, focada nas etapas da Designação (retrato/descrição do espaço), da Definição (informação complementar sobre o espaço) e do Design (forma/desenho do espaço), para se criarem pontos referenciais de análise, no sentido de focar/observar/registar nos elementos que podem vir a ser melhorados por forma a não facilitar, mas antes a inibir a conduta criminosa e a vulnerabilização das populações à vitimação.

Tudo quanto até aqui foi apresentado reúne os focos centrais de uma análise que procure cobrir os múltiplos aspetos que podem tornar os centros das nossas cidades mais aprazíveis e seguros.

Notas

[1]. Sistema de Segurança Interna. (2019). Relatório Anual de Segurança Interna – 2018. Lisboa: Ministério da Administração Interna.

[2]. Sani, A. (2011), Temas de Vitimologia: realidades emergentes e respostas sociais, Coimbra: Editora Almedina.

[3]. Andrews, D. & Bonta, J. (2010). The psychology of criminal conduct, New Jersey: Lexis Nexis/Anderson.

[4]. Sani, A. & Nunes, L. (2013), Crime e vitimação: polícia e análise de comunidades urbanas, Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa.

[5]. Nunes, L., Caridade, S. & Sani, A. (2015). Avaliação do meio escolar: um estudo exploratório, Revista Lusófona de Educação, 30(30), 141-158.

[6]. Caridade, S., Nunes, L. & Sani, A. (2015). School diagnostic: Perceptions of educational professionals, Psychology, Community and Health, 4(2), 75-85.

[7]. Jeffery, C. R. (1971), Crime prevention through environmental design, Beverly Hills: SAGE Publications.

[8]. National Crime Prevention Council (2003), Crime prevention through environmental design guidebook. Singapore: Public Affairs Department.

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Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PTDC/DIR-DCP/28120/2017

This work is financed by National Funds through FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia under the project PTDC/DIR-DCP/28120/2017

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