Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de Vida
Título do artigo: As técnicas de corpo em Marcel Mauss e o campo desportivo
Autor: Vítor Rosa
Filiação institucional: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
E-mail: vitor.alberto.rosa@gmail.com
Palavras-chave: Técnicas de corpo, Desporto, Métodos de aprendizagem.
- As técnicas do corpo
Marcel Mauss (1872-1950)[1] é considerado como um dos pais da antropologia francesa. Titular de uma disciplina “história das religiões dos povos não civilizados”, na École Pratique des Hautes Études, funda, em 1925, o Institut d’Ethnologie de l’Université de Paris, antes de obter, em 1931, uma disciplina de Sociologia no Collège de France, marcando a entrada desta disciplina na prestigiosa instituição. Mauss nunca falou muito de si próprio, salvo quando apresentou em 1930 a sua candidatura ao Collège de France, sugerindo algumas “chaves” para escrever a história da sua vida: colaboração com o seu tio Émile Durkheim (1858-1917), participação na revista L’Année Sociologique, ensino na École Pratique des Hautes Études, interrupção do seu trabalho durante quatro anos e meio por causa da guerra, morte prematura do seu tio e de Henry Hubert, perda dos seus melhores alunos e amigos [1]. Mauss nunca publicou um livro de síntese, mas apenas um grande número de artigos, de relatórios e de ensaios em diferentes revistas, nomeadamente na L’Année Sociologique, criada pelo seu tio Durkheim, em 1898, e um dos fundadores da sociologia moderna.
Mauss abordou uma grande variedade de assuntos, tais como a religião e a magia, e é conhecido pelo seu Essai sur le don. Vários trabalhos seus ficaram inacabados [2]. Essai sur le don de Mauss é um texto clássico para a sociologia e a antropologia. É a sua “chef-d’oeuvre” (obra prima). É, sem dúvida, o mais célebre de toda a antropologia social. Mas também o mais “obscuro” e “esotérico”. Surge, pela primeira vez, em 1925, e inspirou uma enorme multitude de trabalhos sobre a problemática do dom. O principal mérito desta obra é o de ter aberto “as portas a novos mundos” em sociologia e em antropologia. Promovendo uma sociologia etnográfica, que estuda os fatos sociais totais, a obra de Mauss permite descrever finamente as lógicas do dom nas sociedades tradicionais. O dom seria caracterizado pela reciprocidade, o “contra-dom”. Mas ao mesmo tempo os seus trabalhos permitem mostrar a sobrevivência de tais lógicas nas sociedades modernas.
Mauss sempre se mostrou cioso em preservar as estreitas relações entre as diferentes ciências sociais, definindo o seu conteúdo e as suas fronteiras. A etnologia é, então, concebida como um ramo da sociologia. O estudo das sociedades consideradas como “primitivas” permitiam colocar em evidências as características fundamentais de toda a sociedade.
Marcel Mauss efetuou pouco estudos de terreno. Este método será difundido nos países anglo-saxónicos, nomeadamente sob a influência de Malinowski [3]. Apoia-se, sobretudo, numa ampla documentação histórica e etnográfica para comparar as diferentes sociedades. “Ele tinha conhecimento das realidades e de todos os trabalhos de etnologia”, sublinha Fournier [1]. As observações diretas que ele efetuou são originárias da sua experiência no serviço militar ou da sua infância em Touraine.
As “técnicas de corpo” é uma conferência dada, em 17/05/1934, perante a Société de Psychologie, cujo texto é publicado, pela primeira vez, no Journal de Psychologie, em abril de 1936, e depois, com outros textos, na Sociologie et Anthropologie, nas edições Presses Universitaires de France, em 1950 [4] [5]. Mauss estuda a noção de “técnicas do corpo” e as suas variantes entre as culturas.
Quais são as técnicas de corpo descritas? Que conclusões Mauss tira das suas observações? Mauss evoca o contexto no qual ele é levado a forjar este conceito de técnicas do corpo. Esta noção impõe-se pouco a pouco nele, de forma “concreta”, em resposta a diferentes observações realizadas ao longo da sua vida. Estas reteriam a sua atenção pelo conjunto de fatos sociais, aparentemente, “heterógenos” e inclassificáveis, que a etnologia da época não sabia como descrever e categorizar, levando, assim, a colocar um item de “diversos”. O conceito de “técnicas do corpo” permitiram-lhe reunir justamente numa mesma categoria um conjunto de fatos saídos de observações diversas e de ser um objeto digno de análise científica.
- A evolução das técnicas do corpo
Segundo Fournier (1994: 30) [1], Mauss conhece bem as “técnicas do corpo”: a natação, a corrida, o boxe, a esgrima, o pedestrianismo e o alpinismo, pois foi um praticante assíduo. No caso da evolução das técnicas de natação e dos métodos de aprendizagem, Mauss constata a sua evolução, no espaço de uma geração: passagem da braçada ao crawl, diferentes formas de mergulhar, etc. Existe, na sua perspetiva, uma variação das técnicas no seu tempo e revela a dificuldade de se “libertar” da técnica que lhe foi ensinada. Para ilustrar este pensamento, apresenta o caso da pá de trincheira. As tropas inglesas não conseguiam se adaptar às pás francesas, o que mostra as diferenças no uso dos utensílios. Das suas observações no meio militar, coloca em evidência a “discordância” entre a marcha francesa e a inglesa. Os soldados ingleses não conseguiam desfilar ao ritmo francês. Assim, a sua conclusão é a de que as “técnicas elementares” diferenciavam segundo o país.
Não é possível descrever um desporto sem fazer o estudo das técnicas que ele implica. A dimensão técnica do desporto é corporal. A técnica desportiva está presente no corpo, sem instrumentos ou máquinas. Mas ele pode ter uma dimensão instrumental, mecânico. Muitos desportos necessitam da utilização de instrumentos (arco, raquete) e de máquinas (bicicleta, automóvel).
Referências
[1] Para um conhecimento sobre Mauss, recomendamos o trabalho de Michel Fournier (1994). Marcel Mauss. Paris: Fayard.
[2] Uma tese sobre a “oração”, uma obra sobre “a nação”, um livro sobre o “bolchevismo”, um estudo sobre a “tecnologia” (Fournier, 1994: 16).
[3] Malinowski, B. (1987 [1922]). Les argonautes du pacifique occidental. Paris : Gallimard.
[4] Lévi-Strauss, C. (2013). « Introduction à l’œuvre de Marcel Mauss », in Marcel Mauss, Sociologie et anthropologie, (1950). Paris : PUF « Quadrige », pp. IX-LII.
[5] Mauss, M. (1950). Les techniques du corps. Sociologie et anthropologie. Paris : PUF, pp. 363-386.
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