Primeiras impressões sobre Redes Culturais na cidade do Porto

Dimensão analítica: Cultura, Arte e Públicos

Título do artigo: Primeiras impressões sobre Redes Culturais na cidade do Porto

Autor: Manuel Gama

Filiação institucional: Investigador de pós-doutoramento com bolsa da FCT (SFRH/BPD/101985/2014), Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho

E-mail: mea0911@gmail.com

Palavras-chave: Redes, Setor Cultural, Cidade do Porto.

Se, à luz de Burn (2008), Carneiro (2007), Castells (2005), Fuchs (2009) e Silva (2004), olharmos para as redes, enquanto estruturas organizacionais policentradas caraterizadas, nomeadamente, pela horizontalidade do processo de comunicação, rapidamente percebemos que a aplicação do conceito ao setor cultural não é uma invenção do século XXI e que a compreensão das especificidades do trabalho em rede ainda está longe ser uma realidade nos nossos dias.

Em Portugal, há, aparentemente, múltiplos exemplos de redes culturais desde a instauração do regime democrático, mas em 2017 continua a verificar-se que, não raras vezes, o conceito de rede é mais utilizado como uma estratégia de marketing do que fruto da objetivação das reais potencialidades de uma participação informada, qualificada, ativa e solidária em organizações desta natureza. Os incentivos, nomeadamente financeiros, para a participação/constituição em/de redes culturais não são suficientes para que os profissionais portugueses apreendam a importância das redes para o desenvolvimento do setor cultural e, consequentemente, não estão a concorrer significativamente para incrementar a participação em redes culturais.

Foi este enquadramento que concorreu para a conceção do projeto “Redes de Cooperação Cultural Transnacionais: Portugal europeu, lusófono e ibero-americano com o objetivo de fomentar práticas qualificadas de trabalho em rede de profissionais e de organizações do setor cultural portugueses. No âmbito do projeto realizou-se, entre fevereiro de 2015 e dezembro de 2016, um Mapeamento Internacional de Redes Culturais, no qual foram identificadas/registadas 1007 organizações de 71 países que são, ou consideram que são, redes culturais.

Porque as eleições autárquicas realizadas em Portugal no ano de 2013 concorreram para que na cidade do Porto se tenha observado uma alteração substantiva no lugar que a cultura ocupa nas opções das políticas municipais, decidiu lançar-se um brevíssimo olhar sobre a realidade das redes culturais que integram membros da cidade do Porto.

Para a realização deste olhar efetuou-se um levantamento de organizações culturais do Porto que poderiam ser objeto da análise. Assim, para além de organizações presentes nas 24 redes portuguesas incluídas no mapeamento internacional realizado no âmbito do projeto, incluíram-se no levantamento organizações tuteladas pelo município do Porto, organizações tuteladas ou apoiadas pelo Ministério da Cultura e organizações portuguesas presentes em projetos apoiados pelo Programa Europa Criativa até 2016. Fruto deste trabalho foram identificadas 67 organizações que se consideraram com potencial para trabalhar em rede no setor e cultural.

Realça-se que em termos operacionais, para a delimitação do setor cultural se utilizaram os domínios estabelecidos na “Conta Satélite da Cultura – 2010-2012 Notas Metodológicas” (Instituto Nacional de Estatística, 2016). Em termos metodológicos, a análise baseou-se na consulta das páginas oficinas na Internet (sites, blogues e redes sociais) procurando, nas publicações do ano de 2016 e do 1º trimestre de 2017, referências, sob as mais variadas formas, à participação em redes nacionais, em redes transnacionais e ao desenvolvimento de projetos culturais em rede.

Nas 67 organizações identificadas e analisadas, os domínios mais representados foram o Património (34%) e as Artes do Espetáculo (31%), e os menos representados os Arquivos (3%) e as Bibliotecas (3%).

Estando o Centro Histórico do Porto (CHP) inscrito, desde 1996, na Lista de Património Mundial da UNESCO seria de esperar que as práticas de trabalho em rede fossem uma realidade consistente, mas a verdade é que não se encontraram evidências explícitas de tais práticas. Salienta-se que não se conseguiu identificar um domínio oficial autónomo na Internet nem páginas nas redes sociais e, por isso, toda a análise do CHP foi efetuada a partir das páginas do município do Porto, entidade responsável pelo processo de inscrição e que, segundo a Rede de Património Mundial de Portugal (RPMP) criada em 2014, centraliza os contactos sobre este bem classificado pela UNESCO. Apesar do CHP ter assumido a presidência da RPMP no 2º semestre de 2014, também não se encontraram evidências de que o trabalho em rede na RPMP seja uma prática ancorada.

Artes do Espetáculo foi o 2º domínio mais representado nas organizações identificadas, por isso torna-se imperioso convocar aqui sinteticamente os dados referentes ao Teatro Nacional de S. João (TNSJ). Pelo peso simbólico que ocupa na cidade desde 1992, é natural que, com as devidas adequações de escala, as organizações que operam no mesmo domínio na cidade olhem para o TNSJ como um exemplo de boas práticas, nomeadamente no que concerne à participação em redes. A análise das páginas oficiais na Internet permitiu identificar a participação do TNSJ em duas redes: uma nacional (5 Sentidos) e uma transnacional (União de Teatros da Europa). Não sendo uma participação muito numerosa, a verdade é que a documentação consultada parece indiciar que para o TNSJ a participação em redes é estratégica.

Os dois exemplos convocados são apenas uma brevíssima amostra do trabalho de análise que está em curso e, como é evidente, não permitem uma visão geral sobre a realidade das redes culturais que integram membros do Porto. Mas, a observação geral das 67 fichas de registo de organizações parece indicar que, apesar de 43% das organizações referirem nas suas páginas na Internet que integram, pelo menos, uma rede nacional ou transnacional, a verdade é que em maior parte dos casos não se conseguiu identificar o desenvolvimento de projetos em rede no ano de 2016, nem, por exemplo, referências explícitas à missão dessas redes e aos seus membros.

Se estas primeiras impressões se confirmarem, pode estar a observar-se no Porto, tal como foi diagnosticado a nível nacional na 1ª década do século XXI (Santos, 2005), um subaproveitamento e inconsequência de algumas das iniciativas que têm sido promovidas, nacional e internacionalmente, para fomentar as redes culturais.

Nota:

Resumo alargado da comunicação “Organizações Culturais da Cidade do Porto e as Redes Culturais” apresentada no III Congresso Internacional Cive Morum (10-11 de abril de 2017, Faculdade de Letras, Universidade do Porto) e realizada no âmbito do projeto de investigação de pós-doutoramento “Redes de Cooperação Cultural Transnacionais: Portugal europeu, lusófono e ibero-americano”, que está a ser desenvolvido, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, na Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade de Santiago de Compostela e na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Referências

Brun, J. et al. (2008). Redes culturales. Claves para sobrevivir en la globalización. Madrid: Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo.

Carneiro, L. et al. (2007). Redes Colaborativas de Elevado Desempenho no norte de Portugal. Porto: INESC.

Castells, M. (2005). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Fuchs, S. (2009). The Behavior of Cultural Networks. Soziale Systeme, 15, 345-366.

Instituto Nacional de Estatística (2016). Conta Satélite da Cultura – 2010-2012. notas metodológicas. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.

Santos, M. (coord.) (2005). Contribuições para a formulação de políticas públicas no Horizonte 2013 relativas ao tema «Cultura, Identidades e Património» – Relatório final. Lisboa: OAC.

Silva, A. (2004). As redes culturais: Balanço e perspectivas da experiência portuguesa, 1987-2003. In R. Gomes (coord.), Os Públicos da cultura, (241-283). Lisboa: OAC.

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