O direito fundamental à proteção na velhice

Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: O direito fundamental à proteção na velhice

Autora: Ana Sofia de Magalhães e Carvalho

Filiação institucional: Investigadora do CIJE, UP e do CEDIS, UNL

E-mail: anascarvalho@gmail.com

Palavras-chave: Velhice, Discriminação, Direitos Fundamentais.

O tema tem atual pertinência tendo em conta o aumento da esperança média de vida na nossa sociedade que leva a considerar e consciencializar para um novo problema social: a sociedade envelhecida.

No entanto, paralelamente ao envelhecimento da população vem-se desenvolvendo um fenómeno que é o da discriminação (nas mais variadas vertentes) da população envelhecida, discriminação essa baseada na idade (e na eventual decorrente perda de operacionalidade com a mesma relacionada).

Ora, o fenómeno discriminatório constitui um contrassenso e é preciso prevenir, aplicando e criando regras jurídicas protetoras deste grupo de risco, que no futuro será maioritário e necessita de especiais cuidados e regras jurídicas adequadas à sua especial condição/vulnerabilidade.

O artigo 72.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) sob a epígrafe “Terceira Idade”, modificado em 1982 e em 1997, consagra atual e explicitamente específicos direitos das pessoas idosas (n.º 1), como típicos direitos sociais, aos quais correspondem determinadas imposições e obrigações estaduais (n.º 2).

A dignidade da pessoa humana não cessa na velhice, pelo que incumbe ao Estado promover uma política de terceira idade que respeite a autonomia pessoal do idoso. Esta política de terceira idade não se deve basear apenas na prestação de apoios materiais, mas também deve passar pela adoção de medidas sociais e culturais que respeitem a sua autonomia pessoal e sejam tendentes a superar o isolamento e a marginalização social. Este paradigma constitucional de pessoa idosa acolhe as ideias da aceitação, promoção e inserção dessa pessoa, visando dar-lhe um estatuto autónomo e ativo. Neste sentido, e com a influência da União Europeia, tem-se vindo a apostar no envelhecimento ativo em várias dimensões – veja-se a título exemplificativo a Resolução da Assembleia da República n.º 61/2012, de 4 de maio (“Por um envelhecimento ativo”).

Por outro lado, a autonomia pessoal significa o reconhecimento e respeito pelo direito de autodeterminação pessoal das pessoas de idade em relação às várias formas de acolhimento, desde os centros de dia e centros de convívio até ao apoio domiciliário e internamento em lares. Pretende-se permitir a escolha pessoal dentro do leque de medidas de apoio dinamizadas pelas políticas de terceira idade. Também é com base neste direito à autonomia pessoal que surgem as soluções legais de proteção especial aos idosos em matéria de arrendamento.

A política de terceira idade não pode ser uma política estatizante, antes devendo promover a construção de redes de proximidade, no quadro da sociedade civil e ainda tendo sobretudo em conta a família, instituição fundamental da sociedade (cf. artigo 67.º, n.º 1 da CRP) e figura privilegiada no campo da velhice. Neste campo, as políticas públicas devem potenciar o alargamento das redes familiares, nomeadamente adotando medidas específicas para as pessoas que cuidam de familiares idosos ao mesmo tempo que exercem uma atividade profissional.

No entanto, é preciso ter em consideração que a vulnerabilidade dos idosos manifesta-se antes de mais no plano económico, daí que seja primordial o direito das pessoas idosas à segurança económica. Não resultando da Constituição qualquer direito das pessoas idosas à manutenção de uma relação de trabalho subordinado, é fundamental garantir ao trabalhador, uma vez chegado à idade da reforma, a alternativa de repouso com garantia de um «sucedâneo» da retribuição antes percebida pela prestação de trabalho. Com efeito, e embora velhice e reforma não sejam sinónimos, não se pode olvidar que a passagem à situação de reforma e a dependência do sistema de pensões constituem, frequentemente, um importante fator de vulnerabilização e de precarização da vida das pessoas idosas. O direito à segurança económica deve ser conjugado com o direito fundamental à segurança social das pessoas idosas e constitui, nessa medida, uma incumbência do Estado. O núcleo essencial do dever de proporcionar segurança económica aos idosos, que se extrai do artigo 72.º, n.º 1, tem em vista as pensões pagas pelo sistema de segurança social que ao Estado cumpre organizar e manter.

É assim indispensável acautelar o direito à segurança económica dos idosos, devendo a proteção acrescida que lhes é devida em virtude dos deveres de proteção especiais exigidos pela dignidade da pessoa humana dar origem a medidas de discriminação positiva quando necessário (nomeadamente promovendo o envelhecimento ativo, conforme tendência europeia), e não de discriminação negativa injustificada. Referimo-nos a um segmento da população que, na sua maioria, se encontra em especial situação de vulnerabilidade e de dependência e que, por naturais razões atinentes à sua idade (e, muitas vezes, à saúde) se mostra incapaz de reorientar a sua vida em caso de alteração inesperada das circunstâncias.

Assim, resta-nos concluir pela necessidade de uma interpretação conjugada dos artigos 1.º, 63.º e 72.º da CRP no sentido da existência de um direito fundamental à proteção na velhice através dos impostos, pois a dignidade da pessoa humana exige medidas de proteção especial em relação ao grupo dos idosos que se apresenta como um grupo vulnerável, nomeadamente em termos económicos por dependerem tendencialmente de forma exclusiva dos rendimentos de pensões. Este direito, beneficiando do regime constitucional dos direitos fundamentais, implicaria o seguinte:

  1. Uma aceção positiva, no sentido de promover a proteção do grupo vulnerável (idosos) através de medidas fiscais;
  2. Uma aceção negativa, no sentido de ser exigido ao Estado que não adote medidas fiscais que discriminem negativamente e de forma injustificada o grupo vulnerável (assim, como, quando elas existirem, deverá o Estado eliminá-las).

Pensamos que esta interpretação no sentido da existência deste direito traduz as exigências das Constituições reais portuguesa e europeia.

Referências

Carvalho, A. (2015). O direito fundamental à proteção na velhice através dos impostos. Dissertação de Mestrado, Escola de Direito – Universidade do Minho, Portugal.

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