Situação das prisões em Portugal – Parte II

Dimensão analítica: Direito, Justiça e Crime

Título do artigo: Situação das prisões em Portugal – Parte II

Autor: António Pedro Dores

Filiação institucional: ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

E-mail: apad@iscte.pt

Palavras-chave: política, prisões, risco de prisão, história.

(continuação da reflexão iniciada na Parte I)

Entre 1974 e 1996, nenhum investimento público tinha ocorrido nas prisões. Depois houve investimentos, embora com critérios poucos claros (Anon n.d.). Sobretudo securitários – cadeia de alta segurança de Monsanto, alas de segurança nas cadeias maiores, criação do grupo de operações especiais da Guarda Prisional – GISP – às ordens da direcção-geral. E de propaganda, como a cadeia de Sta. Cruz do Bispo semi-privatizada em colaboração com a Santa Casa da Misericórdia local. Com crescimento dos serviços de saúde – já que a reclusão de doentes organizada pela guerra contra a droga transformou as prisões portugueses em hospitais. O tratamento principal é a distribuição generalizada de psicotrópicos em abundância, para completar a livre iniciativa dos fluxos de tráfico para satisfazer a necessidades dos consumidores presos. Mantendo-se os serviços de reinserção, em geral, meros exercícios burocráticos para tribunal ver.

Quadro 2. Novo padrão criminal penal em Portugal

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Em 2007 foi aprovada nova legislação criminal contestada. Com essa legislação cai a função punitiva das penas de prisão e apenas fica inscrita a função ressocializadora. Ensina-se aos profissionais que a entrada na prisão é o primeiro passo para a ressocialização. A própria fusão das direcções-gerais dos serviços prisionais e da reinserção social foi justificação para a demissão de um secretário de estado por não concordar com a ordem da sequência dos nomes das funções na nova designação da direcção-geral.

Hoje a prioridade do nome é uma e as despesas vão para a função teoricamente secundarizada. Nos estabelecimentos prisionais a segurança é tudo.

Na prática, o ministério da justiça continua a delegar no director-geral toda a responsabilidade. Como se pode ver no quadro 2., depois de uma queda sucessiva do risco de prisão, coincidindo com a crise financeira global, a taxa de criminalidade desceu e o risco de encarceramento aumentou, sem amnistias. O governo reconheceu, em 2016, haver uma situação intolerável. E substituiu o director-geral, por coincidência igualmente sob suspeita de incapacidade de gestão dos fundos à sua responsabilidade.

Não é só o público que não conhece o funcionamento real das prisões. Ao ministério e à direcção-geral faltam instrumentos, informativos e cognitivos, estudos independentes, sobre o que realmente se passa. São apanhados de surpresa e têm nítidas dificuldades em responder à curiosidade pública sem ser com argumentos de autoridade, nomeadamente o segredo próprio das políticas securitárias. Talvez por isso o governo anterior negou a existência de sobrelotação.

As autoridades penitenciárias, em geral, adoptam, por isso, uma postura autárcica de defesa contra intromissões exteriores aos poderes prisionais (inclusive do legislador, a quem fazem fintas, por exemplo, no caso dos recorrentes castigos corporais ilegais apresentados como reacção legítima) e de intimidação de quaisquer intervenções não autorizadas.

Os argumentos judiciais penais mais mediáticos esgrimem-se publicamente entre a) a crónica violação do segredo de justiça, nomeadamente através de canais judicialmente bem informados e os jornalistas; b) o uso da prisão preventiva para criar condições de investigação prioritária, na ausência da possibilidade de o Ministério Público produzir prioridades em função da oportunidade; c) as condições de detenção de presos preventivos ser feita junto dos presos condenados, impondo-lhes as regras punitivas que lhes são aplicadas; d) condições de detenção arbitradas pela direcção-geral dos serviços prisionais a respeito de cada prisioneiro, podendo constituir privilégio para alguns, nomeadamente pessoas com maior poder social (foi alegadamente o caso de político preso no caso Casa Pia e foi desta vez o caso da prisão na mesma cela de prisioneiros relacionados com o caso do ex-primeiro-ministro, alegando-se publicamente ligações entre o director-geral das prisões e o ex-primeiro-ministro); e) regras burocráticas determinadas para evitar arbitrariedades mas que chocam com os direitos dos presos, como a de contacto com a sociedade e acesso à cultura – isto a respeito da limitação de recepção de uma encomenda por mês por cada preso, regra que impediu a entrada de um livro enviado pelo autor e amigo do ex-primeiro-ministro; f) problemas de alimentação, que os presos da cadeia aproveitaram a atenção dos media para organizar levantamentos de rancho, em que o ex-primeiro ministro participou; g) regras burocráticas extremas para aquisição de produtos da cantina ou para ter acesso aos telefones, que o ex-primeiro-ministro estranhou mas que foram instituídas pelo próprio.

Entretanto o aumento das notícias sobre violência e mortes nas prisões pode indiciar estar-se a viver, num tempo de nova grande sobrelotação (depois do pico resolvido do mudar do século), um novo pico de obituário, que nunca deixou de ser muito alto (comparativamente aos dados do Conselho da Europa). Com problemas de alimentação, acesso a medicamentos, acesso a cuidados de saúde, problemas de violência, tudo situações também denunciadas pelos sindicatos de guardas, com vista a argumentar em favor da contratação de mais guardas. Infelizmente só daqui a alguns anos, como aconteceu em 1997, poderemos vir a saber do que se esteja a passar. Sendo certo que nenhum estudo sobre as razões do pico de obituário foi realizado desde então. E que a forte reactividade do Estado para fechar diálogo e estigmatizar fontes de alegações avulsas de casos de prisão, em especial através da conjugação de acções entre a direcção-geral e os sindicatos de guardas, dificulta a acção cívica e jornalística a este respeito. Em Portugal, os dedos de uma mão parecem um oceano para contar associações que canalizam casos de prisão para a opinião pública. O que contrasta com as dezenas de associações que estão no terreno em Espanha, nosso único vizinho.

Referências:

Anon, relatório de auditoria do Tribunal de Contas no6/2000.

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