Dimensão analítica: Direito, Justiça e Crime
Título do artigo: Situação das prisões em Portugal – Parte I
Autor: António Pedro Dores
Filiação institucional: ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa
E-mail: apad@iscte.pt
Palavras-chave: política, prisões, risco de prisão, história.
A prisão de um ex-primeiro-ministro abriu uma luta política. De um lado os que receiam uma república de juízes, como em Itália em luta contra as mafias, e parecem preferir a situação como está. Discute-se o que seja a separação de poderes entre o político e o judicial. Se há uma partidarização da justiça ou políticas de condicionamento da acção do poder judicial.
Do outro lado os que entendem haver sinais de uma transformação do funcionamento do Ministério Público na defesa dos interesses do estado, contra a corrupção, ainda que seja à custa da incriminação de pessoas da elite política na oposição. É recorrentemente lembrado o caso da compra de submarinos, o envolvimento do ex-vice-primeiro-ministro e da corrupção conhecida e sancionada por tribunais alemães mas que foi arquivado por falta de provas em Portugal.
A ignorância dos agentes políticos e do legislador sobre direito penal e sobre sistema de execução de penas é queixa recorrente, formulada por alguns políticos. Igualmente alguns magistrados queixam-se da ignorância dos seus pares sobre o estado das prisões. Na prática, o sistema de execução de penas é tratado como um espaço estigmatizado, no seu todo. As consequências desresponsabilizantes das concepções dominantes de separação entre a política e a justiça é aqui particularmente evidente. O desinteresse político (a coberto do efeito estigmatizante das condenações) deixa os serviços prisionais entregues a si próprios – é aí, no campo administrativo que se passam as lutas políticas para desenhar reformas do sistema.
Depois da entrada em desuso das prisões, com o 25 de Abril de 1974 – a política estava na ordem do dia – nos anos 80, a par da despolitização das relações sociais, importou-se a guerra global contra as drogas. A perseguição do tipo de crimes associados aos tráficos ilícitos perturbou o sistema criminal (Maia e Costa 2003). Os tribunais condenavam e os políticos libertavam, através de amnistias. O risco de prisão passou a depender da época da condenação, como se pode ver no Quadro 1. Em 1996, o Presidente Jorge Sampaio anunciou o fim dessa prática. Mas os tribunais continuaram a condenar. Foi a bolha prisional portuguesa. Catapultou o país, em 1997, – em geral com o dobro da mortalidade penitenciária da média – para o primeiro lugar, na quinta casa acima da média do Conselho da Europa.
Quadro 1. A bolha das prisões portuguesas
O Provedor de Justiça, Menéres Pimentel, fez sair em 1996 o primeiro relatório sobre prisões. O que provocou alarme no governo e, como mostra o quadro, uma redução do risco de prisões. Como? Sabemos que em 1999 ocorreu a última amnistia, para comemorar os 25 anos do 25 de Abril. E em 2001 inicia-se um processo de discussão sobre a reforma prisional, na sequência de homicídios, protestos e greves de fome nas prisões, protestos da Ordem dos Advogados e demissão do director-geral, alegando razões pessoais enquanto chegavam aos jornais notícias de estar indiciado por ter perdido o rasto a importantes somas de dinheiro, que o governo garantiu não terem ido para o bolso do próprio.
Nessa altura, a nível público, não se fazia ideia nem do que fosse a política penitenciária anterior nem o que viria a ser a nova política. Só em 2004, com o relatório Freitas do Amaral (2004), que coordenou o trabalho de um conjunto de altos funcionários do Estado, se ficou a saber que a situação era indigna de um Estado europeu e que antes de 12 anos de trabalhos bem-sucedidos não seria possível atingir padrões politicamente exigíveis. A partir de então continuou a política geral de secretismo sobre qual fosse a política em curso. Poder-se-ia apenas presumir que se estariam a seguir as indicações sugeridas nesse relatório. Nenhum outro político alguma vez registou uma declaração sobre política prisional, com excepção de Alberto Martins, ministro que proibiu o uso das armas taser nas prisões, depois de ter vindo a público o modo como as usavam (Desconhecido 2011).
(continua a reflexão na Parte II)
Referências:
Amaral, D.F. do, 2004. Relatório Final da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, Lisboa. Disponível em: http://www.dgpj.mj.pt/sections/politica-legislativa/anexos/legislacao-avulsa/comissao-de-estudo-e/downloadFile/attachedFile_f0/RelatorioCEDERSP.pdf?nocache=1205856345.98. Acedido em 8.4.2016.
Desconhecido, 2011. Agressão na prisão de Paços de Ferreira. projecto tretas org. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YVHRSgVvzGo [Accessed October 25, 2014]. Acedido em 8.4.2016.
Maia e Costa, E., 2003. Prisões: a lei escrita e a lei na prática em Portugal. In A. P. Dores, ed. Prisões na Europa – um debate que apenas começa – European prisons – starting a debate. Oeiras: Celta.
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