Sons da Cidade – uma revisão das Paisagens Sonoras de Carlos Fortuna

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Sons da Cidade – uma revisão das Paisagens Sonoras de Carlos Fortuna

Autor: Diogo G. Vidal

Filiação institucional: Mestrado em Sociologia, Faculdade de Letras da UP

E-mail: up201107311@letras.up.pt

Palavras-chave: Cidade, Paisagens, Sons.

Já Carlos Fortuna se interrogava, com o seu jeito de escrever peculiar e envolvente, se as Ciências Sociais e a Sociologia ouvem os sons que emanam da cidade “ Se a cidade soa e ressoa, será que a Sociologia e as restantes Ciências Sociais a ouvem?” [1]. Os novos sociólogos da cidade têm nas mãos, eu pelo menos sinto, o dever de procurar responder de forma completa e adequada a esta questão.

A cidade é um espaço mutável, repleto de signos e significados sensíveis aos indivíduos. Centro da vida contemporânea, palco dos mais diversos fenómenos e dinâmicas procura, através dos sons, compor um quadro sonoro daquilo que são as paisagens sonoras da cidade. Sim a cidade tem sons e nós renegámo-los. Fortuna já dizia que para Simmel o sentido auditivo era passivo na medida em que não consegue dar, apenas recebe. Já a visão, pelo contrário, dá e recebe sendo assim um sentido com “autonomia própria” [1]. No entanto e numa sociedade onde a primazia da visão encontra-se sobre a audição os sons da cidade são, sem margem de dúvida, esquecidos. Não caiemos neste pensamento. A audição pode ser passiva mas é sem dúvida mais apurada. A audição ouve o material e o imaterial, ouve aquilo que a visão não consegue ver e a cidade é por sim só um objecto vasto para ouvirmos e deambularmos pelo seu longo campo sonoro “espaço acústico gerado a partir de uma determinada fonte emissora que irradia e faz distender a sua sonoridade a uma área ou território bem definidos”[1]. Esta configuração dos sons da cidade que Carlos Fortuna refere encontra-se inscrita num plano organizado e temporal, na medida em que tal plano é propício a reconfigurações “O design de uma cidade é, assim, uma arte temporal…as sequências são invertidas, interrompidas, abandonadas, anuladas. Isto acontece a todo o passo.” [2]. Parece ser correto perceber que a “Geografia dos Sons” de Carlos Fortuna é altamente audível numa cidade onde melodias distintas têm o seu espaço definido, apesar de transponível por outros sons. No ambiente citadino damos conta de plurisonoridades, aparentemente contraditórias mas que mapeiam actualmente as paisagens sonoras. Esta pluralidade de sons é visível em ambientes multiculturais, como o caso de Nova Iorque ou Londres, onde culturas diferentes, ou melhor dizendo, sonoridades culturalmente diferentes, se misturam e compõem uma partitura diversa.

Talvez seja este, e apesar de permanecerem sons que se relegam a locais bem definidos, o som da cidade contemporânea. Indefinido, ténue e plural. Mais difícil é atribui-lo um sentido, um significado. Interpretações diversas de atores diversos geram, consequentemente, significados diversos.    E é nesta lógica actual de sons plurais que as paisagens sonoras da cidade se inscrevem. No caso português, os sons da cidade são audíveis de forma diferente. A bipolaridade das cidades cosmopolitas facilita, em muitos locais que não estes, o ouvir da paisagem sonora. Uma paisagem sonora mais próxima do “primitivo”, própria de aldeias e vilas do interior de Portugal, regiões periurbanas, onde som dos sinos da igreja ainda é audível e permite a organização da vida social dos indivíduos. As badaladas sinalizam momentos diferentes do dia. A “Bruma Sonora” que Fortuna [1] aponta revela-se uma fronteira de definição das sonoridades da cidade. Dominante é, na cidade urbana, o som da industrialização e da violência da vida quotidiana “…perdem-se os sons da natureza ou da vida pré-urbana hi-fi – mas também ao longo do dia – da hora de ponta à calma da noite.”[3]. As máquinas, as buzinas e as sirenes dominam a paisagem sonora, acabando por transformá-la, emergindo um novo e plural “património sonoro” próprio da cidade contemporânea.

Sim. As Ciências Sociais e a Sociologia procuram ouvir o som e o ressoar da cidade na base da interdisciplinaridade teórica. Provavelmente o problema passa não por não conseguir ouvir mas sim por não consegui sintonizar. Este é, ainda hoje, um verdadeiro desafio para nós.

Notas

[1] Fortuna, C. (1998). Imagens da Cidade: sonoridade e ambientes sociais urbanos. Revista Crítica de Ciências Sociais [em linha]. Nº 51, pp. 22-51. [Consult. dia 9 de Dezembro de 2014]. Disponível na http://www.ces.uc.pt/rccs/includes/download.php?id=666.

[2] Lynch, K. (1960). A Imagem da Cidade. Lisboa: Edições 70, LDA.

[3] Casaleiro, P., Quintela, P. (2008) – As paisagens sonoras dos centros históricos de Coimbra e do Porto: um exercício de escuta. In VI congresso português de sociologia. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa. p. 1-13 http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/127.pdf

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