Recolha e tratamento de águas residuais em Portugal: problemas à espera de solução

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Recolha e tratamento de águas residuais em Portugal: problemas à espera de solução

Autor: José Pedro Silva

Filiação institucional: Instituto de Ciências Sociais – UL

E-mail: jose.silva@ics.ul.pt

Palavras-chave: Saneamento, Portugal, ETAR

Durante o Estado Novo, o ambiente foi um tema negligenciado. Persistia a imagem de um país rural e, por isso, “limpo” e imune à degradação ambiental que já afligia outros países mais industrializados. No entanto, no final desse período, devido a fenómenos como a litoralização, a urbanização rápida e desordenada e um impulso industrial em certas regiões, essa imagem já se encontrava profundamente desajustada da realidade (Schmidt, 2008) [1]. Entre os problemas ambientais que o país então enfrentava encontravam-se carências profundas relativamente aos sistemas de saneamento de águas residuais. A situação de então pode ser descrita como “calamitosa” (Pato, 2008) [2], uma vez que apenas uma minoria de portugueses se encontrava servida por redes públicas de saneamento de águas residuais. As políticas da água adoptadas durante o Estado Novo não contemplavam preocupações ecológicas, o que explica que se tenha negligenciado este importante aspecto.

Depois da revolução de 25 de Abril de 1974, o país realizou investimentos avultados, procurando completar e melhorar os seus sistemas de saneamento e garantir o tratamento dos efluentes, recorrendo, por vezes, a soluções sofisticadas do ponto de vista tecnológico. Este processo de melhoria dos sistemas saneamento não pode ser dissociado da adesão do país à União Europeia e das consequentes pressões no sentido de alcançar padrões de qualidade ambiental mais elevados, tendo sido facilitado pelo acesso a fundos comunitários. Hoje, a situação portuguesa é consideravelmente melhor, mas ainda não é satisfatória (Schmidt, 2009) [3].

Os dados oficiais indicam que a cobertura dos sistemas de recolha e tratamento de águas residuais em Portugal continental ficava-se, em 2009, pelos 83% e 72%, respectivamente (INAG, 2011) [4]. São números que ficam aquém do valor de referência de 90%, delineado pelo PEAASAR (Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais) 2000-2006 e reafirmado pelo PEAASAR 2007-2013 (MAOTDR 2000, 2007) [5] [6]. Para além disso, existem importantes discrepâncias regionais: em algumas bacias hidrográficas, os níveis de atendimento situam-se consideravelmente abaixo da média verificada no território continental (INAG, ibidem).

Para além de incompleta, a actual rede apresenta diversos problemas. Do lado dos sistemas de recolha de efluentes, verifica-se que os ramais de ligação e os colectores carecem de um maior esforço de reabilitação, verificando-se, entre os últimos, vários casos de obstruções e colapsos estruturais (ERSAR, 2011) [7]. Também preocupante é o funcionamento das estações de tratamento de águas residuais (ETAR). O financiamento comunitário foi essencial para a construção das primeiras ETAR, no entanto, estas rapidamente foram denunciadas pelo seu mau funcionamento. Durante a década de 1990, o problema suscitou a aplicação de multas e despertou a atenção dos jornais, dada a sua dimensão: em 1996, cerca de dois terços das ETAR construídas com recurso a fundos comunitários estariam paradas ou em más condições (Ferreira, 2008) [8].

Apesar de terem sido realizados investimentos importantes com o objectivo de corrigir a situação, muitas destas estruturas continuam a ter um desempenho abaixo do expectável. De acordo com um relatório da Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território datado de 2004 [9], muitas ETAR apresentavam um desempenho insuficiente devido a erros de concepção ou de construção, ou a más práticas de gestão. Várias destas estruturas estavam sobredimensionadas (muitas vezes porque as redes de esgotos que as deveriam servir ainda não tinham sido terminadas). Outras encontravam-se subdimensionadas, sobretudo em zonas com elevadas variações sazonais de população, variações essas que nem sempre foram levadas em conta no planeamento da estação. Para além disso, um vasto número de ETAR não possuía licença de descarga, instrumento que estabelece os padrões de qualidade que as descargas devem respeitar, e muitas outras não cumpriam os limites de emissão previstos pela lei.

Em suma, verifica-se que a rede de recolha e tratamento de esgotos, em Portugal, não está ainda completa; para além disso, o funcionamento das estruturas existentes nem sempre se pauta pelos padrões de qualidade desejáveis. Pode-se então considerar que, não obstante os avanços realizados, o saneamento continua a ser um problema por resolver em Portugal. E, se tivermos em conta as consequências ambientais, económicas e de saúde pública da poluição hídrica, não se trata certamente de um problema menor.

Notas:

[1] Schmidt, Luísa (2008), “Ambiente e políticas ambientais: escalas e desajustes”. Manuel VillaverdeCabral, Karin Wall, Sofia Aboim e Filipe Carreira da Silva (orgs.). Itinerários. A investigação nos 25 anos do ICS. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.

[2] Pato, João Howell (2008), O valor da água como bem público. Tese de Doutoramento em Ciências Sociais, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

[3] Schmidt, Luísa (2009): “Civic Action and Media in Water Issues”, Charles Buchanan, Paula Vicente,Evan Vlachos (eds), Making The Passage Through the 21st Century: Water as a Catalist For Change,Fundação Luso-Americana, Lisboa.

[4] INAG (2011) Relatório do Estado do Abastecimento de Água e do Tratamento de Águas Residuais. Sistemas Públicos Urbanos. INSAAR 2010 (dados de 2009). Lisboa, Instituto da Água.

[5] MAOTDR (2000), Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais (2000-2006) (PEAASAR). Lisboa. Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

[6] MAOTDR (2007), Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais (2007-2013) (PEAASAR II). Lisboa. Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.

[7] ERSAR (2011) Relatório Anual do Sector de Águas e Resíduos em Portugal (2010). Lisboa. Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos.

[8] Ferreira, José Gomes (2008): “Saneamento básico – Proposta de análise do problema em Portugal 1970-2000”. Actas do VI Congresso Ibérico sobre Gestão e Planeamento da Água, Vitoria-Gasteíz.

[9] IGAOT (2004), Avaliação do Desempenho Ambiental das Estações de Tratamento de Águas Residuais Urbanas em Portugal. Lisboa. Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território.

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